Sem valorização do trabalho e da educação nada feito

Como se combate a pobreza? Não é a pergunta do milhão de dólares, mas do milhão e tal de pobres que se crê que existam no País. E se muitos portugueses atribuem a pobreza à má sorte e à preguiça - Portugal é dos países que mais a estigmatizam -, certo é que há políticas que funcionam. E que quase todos os especialistas estão de acordo em considerar que a educação é a única solução "a sério".
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Nos inquéritos efetuados a nível europeu, Portugal surge como um dos países onde mais se atribui a pobreza à preguiça e à má sorte - e portanto como algo que ou é inevitável ou é "culpa" do pobre. Alfredo Bruto da Costa, presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz, ministro dos Assuntos Sociais do Governo Pintasilgo e autor de vários estudos sobre a pobreza em Portugal, vê estas respostas como muito preocupantes. "É uma questão cultural muito grave, que não sei de onde vem. Há um estigma associado à pobreza."

Um estigma que, no entender do sociólogo Paulo Pedroso, ministro da Segurança Social do segundo Governo Guterres e uma das caras do rendimento mínimo garantido (hoje rendimento social de inserção), se traduz numa desvalorização social das medidas de combate à pobreza que não se dirigem a idosos. "Há a ideia de que uma pessoa jovem, saudável, arranja emprego se procurar. Essa ideia permite cortar, com aparente facilidade, as prestações dos mais jovens e para as famílias numa altura em que existe nova configuração de riscos sociais e quando são os jovens e as famílias os mais afetados por altos níveis de desemprego." E exemplifica: "Como é que Portugal, a segunda sociedade mais desigual da Europa, tem uma das percentagens de RSI mais baixas e a diminuir?"

Transferências sociais como o RSI e o Complemento Solidário para Idosos foram, consideram o economista Carlos Farinha Rodrigues e o sociólogo Elísio Estanque, fulcrais na diminuição da taxa de risco de pobreza (assim como na taxa de intensidade de pobreza - ver texto ao lado) e no nível de desigualdades em Portugal nos últimos 15 anos (o CSI existe desde 2006). Farinha Rodrigues alerta para o facto de os cortes efetuados nos últimos três anos nessas transferências estar a levar a uma perigosa reversão. E Estanque crê que "o Estado social tem de ser absolutamente preservado se não queremos uma rutura na sociedade".

Muito crítico em relação ao combate à pobreza em Portugal, Bruto da Costa considera que grande parte do que se faz sob esse nome não o merece. "Não atinge as causas fundamentais. São as chamadas intervenções de proximidade, que atingem famílias, comunidades, ou as transferências sociais, que não são meios de vida normais de sobrevivência. Não considero que esse tipo de apoios ajude a pessoa a sair da pobreza. Pode reduzir a privação, mas não a pobreza. Há uma grande confusão entre os dois conceitos." Eficaz seria, defende, a mudança "em quatro sistemas sociais básicos - educação e formação profissional, emprego e sistemas de salário e segurança social. O quarto é o padrão de desigualdade na sociedade que abarca os três sistemas". Farinha Rodrigues coincide: "Enquanto houver desvalorização do fator trabalho dificilmente podemos combater a desigualdade e a pobreza com eficácia. E a variável-chave é a educação, os níveis de qualificação."

Mas o investimento na educação, assim como na saúde, por parte dos Estados é também uma transferência social e tem sido como tal estudado pela OCDE. Uma prestação cuja contabilização no bolo total do rendimento das famílias é muito apreciável e cuja eficácia na redução da desigualdade e da pobreza é cada vez mais sublinhada.

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