Edson Athayde: Sem uma (boa) campanha qualquer candidato "murcharia como um soufflé"
5 de novembro de 2008, um dia histórico que nos ficou na memória. Após um arranque de candidatura tremido, Barack Obama tornou-se o primeiro presidente negro dos EUA. "Esta é a vossa vitória", repetiu várias vezes, comovido, abarcando a multidão que fez filas para votar nele. 6 de novembro de 2012: Obama era reeleito para a presidência, onde sempre se bateu pelas minorias. "Acredito que podemos agarrar este futuro porque não estamos divididos, como a política faz parecer. Juntos somos maiores do que a soma das nossas ambições individuais", reforçou no novo discurso de vitória, inclusivo.
E fez muito bem, já que a proximidade costuma ser um valor relevante na comunicação política, confirma o publicitário Edson Athayde, baseado na sua própria experiência em campanhas desde que fez a primeira para o PS, nas legislativas de 1995, a de António Guterres nas de 1999 e a de Ferro Rodrigues em 2002. "O Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, por exemplo, vai a todo o lado porque sabe que as câmaras vão atrás dele. Quer passar a ideia de proximidade e então opta por ser próximo, uma estratégia que parece meio básica, mas é muito lógica e eficaz", diz. Podia querer ser próximo sem sair do palacete, como fazem outros políticos no mundo, contudo teria mais trabalho a convencer as massas das suas intenções. "O ideal é conseguir um alinhamento entre o que o candidato quer dizer, o jeito de dizer e o lugar onde será dito", aponta.
E sim, este trabalho de criar perceção pode, e deve, ser feito de várias maneiras. "Hoje um comício não representa o mesmo de há 40 anos, tal como um cartaz tem um peso diferente de há duas décadas e um post significa menos do que outra coisa qualquer na berra daqui a cinco anos", observa Edson Athayde. Não existem leis imutáveis na comunicação política, embora haja alguns princípios fundamentais (e bastante óbvios): "No fundo, trata-se de assegurar que as mensagens do partido estão alinhadas com o grau de entendimento das pessoas a quem se dirigem, ter a certeza de que os suportes físicos ou digitais utilizados são acessíveis ao eleitorado e perceber que tudo isto muda geográfica, demográfica e culturalmente, inclusive de país para país e de época para época", resume.
No caso de Obama, a quem chamaram "o político ligado" por ser presença constante nas plataformas online, um valor em que apostou forte logo em 2008 foi justamente o das redes sociais, cada vez mais expressivas. "Em Portugal ainda não ganharam tanto essa relevância, tem que ver com as nossas idiossincrasias, mas nas eleições brasileiras tivemos o atual presidente a fazer lives em vez de campanhas porta-a-porta", explica o publicitário, atento às dezenas de vídeos em direto de fraca qualidade, amadores, cúmplices (por oposição aos media tradicionais) com que Jair Bolsonaro chegou a milhões de pessoas.
Também a viragem a favor da campanha de Obama foi tão estrondosa que o Facebook e o Twitter acabaram reverenciados como veículos da democracia. Ao mesmo tempo, o político fazia quatro a cinco comícios por dia à boa tradição americana, que estipula que o candidato deve aparecer nos locais. "O próprio Donald Trump faz comícios durante toda a semana e está em permanente campanha, mas no geral essa é uma coisa deles, não nossa", sublinha Edson Athayde. O que não significa que não aconteça pontualmente. "As exceções a isto são a Madeira e os Açores, cujas características socioculturais determinam que os comícios continuem a ser muito importantes", ressalva.
Curiosamente, outras campanhas mediáticas muito pouco queridas do público - como a do Brexit, favorável à saída do Reino Unido da União Europeia, e a de Trump à presidência dos EUA, ambas em 2016 - vieram diabolizar bastante as redes sociais: de amigas das liberdades individuais, da convivência pacífica e do respeito pelas diferenças, passaram a reputadas inimigas da democracia por veicularem políticas anti-imigração, de culpa das minorias pelo desemprego e até de cruzada contra os muçulmanos. "Lá está aquilo que eu dizia há pouco: não existem regras que fiquem para sempre", justifica o publicitário, habituado às contrariedades da comunicação.
De resto, é esse o principal motivo por que um candidato nunca pode ser vendido como um sabonete, na medida em que fazê-lo pode ser extremamente pejorativo para o político (e às vezes até para o sabonete): "Enquanto os objetos são controláveis e passíveis de planificar no tempo, os políticos têm família, amigos e qualquer um deles pode fazer coisas erradas", afirma Athayde, seguro de que ninguém verá um produto a cometer adultério, a assaltar um banco ou a consumir drogas como as pessoas. "Com elas, o minuto seguinte pode ser desastroso, ao passo que um sabonete não vai sair por aí a responder a outro sabonete na hora errada."
E não, não vale tudo menos tirar olhos: se é normal candidatos pequenos ganharem visibilidade com algumas polémicas, candidatos maiores terão interesse em manter-se longe delas. "A menos, claro, que se seja o Trump ou o Bolsonaro, que fazem muito barulho para cansar as pessoas do que quer que outros tenham a dizer e assim manterem o domínio da narrativa", traduz o publicitário, fascinado com este jogo de xadrez em que cada um faz o movimento que acha melhor para si. "E o pior é que a falta de ética funciona, para mal dos nossos pecados", diz. Felizmente para a política, ainda são poucos os que assaltariam um banco só para serem ricos.