Sem meios não pode haver investigação
O detalhado estudo ontem apresentado pelo ISCTE e pelo DCIAP sobre as investigações de crimes de corrupção em Portugal vem no tempo certo, para mostrar aos poderes públicos o que é, há anos, dito e redito por todos no meio judicial: que mais importante do que uma enorme reforma legislativa é que se dêem meios à justiça para fazer o seu trabalho com sucesso.
Entre as dezenas de páginas de dados estatísticos agora compilados - finalmente compilados, acrescente-se - sobressai que mais de 60% dos casos de corrupção que chegam ao Ministério Público acabam arquivados e que, nos últimos cinco anos, pouco mais de 3% acabam em condenação. Fosse necessária prova de que o país tem, aqui, um problema, e ontem as dúvidas ficariam desfeitas. Infelizmente não é o caso: os portugueses não só sentem o problema, como lhe atribuem parte da culpa pela degeneração da República. Pelo que cabe a quem deve, os políticos, contribuir para a sua resolução. Urgentemente, sublinhe-se.
Acresce que o mesmo estudo indica outros dados preocupantes, como sejam os 500 euros de "preço médio" da corrupção que chega a investigação. Aqui, das duas uma: ou este valor aparentemente irrisório é a imagem de um país, também ele, pequeno; ou significa que o Ministério Público só consegue chegar aos mais insignificantes casos de corrupção. O mais provável é que seja, sobretudo, o segundo caso.
Assim sendo, regressamos à máxima do imperador romano Tácito, ontem recordada no seminário do ISCTE: "Quanto mais corrupta é a República, maior é o número de leis." Tem mais de 1800 anos, mas continua terrivelmente apropriada.
O mundo mais seguro
O cenário não podia ter sido mais bem escolhido. Praga, uma das capitais da Guerra Fria: cenário do alegado suicídio de Jan Masaryk em 1948 que consumou o poder comunista, da brutal invasão soviética de 1968, que depôs o Governo reformista de Alexander Dubcek, cidade que serviu de berço a Franz Kafka e de túmulo a Jan Palach, o estudante mártir que se imolou pelo fogo como protesto contra a ocupação militar da então Checoslováquia pelos blindados do Pacto de Varsóvia. Foi este o palco do histórico acordo ontem selado pelos Presidente dos EUA e da Rússia, que ao deixarem ontem as suas assinaturas no texto do START (Tratado de Redução de Armas Estratégicas) tornaram o mundo "mais seguro", como sublinhou um sorridente Barack Obama.
Obama, que já fez saber que não participará na cimeira EUA--União Europeia de Madrid, no próximo mês, e poderá também estar ausente da cimeira da NATO a realizar em Lisboa, em Novembro, não hesitou em atravessar agora o Atlântico para celebrar este pacto, que constitui uma etapa rumo ao progressivo desarmamento nuclear. Isto diz muito sobre as prioridades políticas do actual inquilino da Casa Branca.
Ao abrigo do novo tratado, Washington e Moscovo comprometem-se a reduzir o número de ogivas nucleares para 1550 cada - uma redução de 74% em relação ao previsto no acordo anterior, que caducou em 2009 após 18 anos em vigor. Mas a diplomacia não oculta a existência de tensões. Com Medvedev ainda em Praga, o primeiro-ministro Vladimir Putin apressou--se em Moscovo a reconhecer o golpe de Estado no Quirguizistão, outro país que pode voltar em breve para a órbita russa. Porque, sejamos realistas, a geopolítica muda no pormenor, mas não no essencial.