Sem Mandela a África do Sul poderia ser hoje o Afeganistão

O renascimento da África do Sul não teria sido possível sem a liderança, carisma e personalidade de Nelson Mandela que permitiram evitar que o país se tenha tornado num outro Afeganistão, afirmou o jornalista John Carlin.
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"Mandela é o grande sedutor. O político perfeito, que procura seduzir e conquistar mentes e corações, persuadir", disse à Lusa o antigo jornalista do The Independent, correspondente na África do Sul entre 1989 e 1995.

"O Mandela fez isso melhor do que ninguém antes, num contexto democrático de persuasão. Sem usar a pancada para persuadir. Não conheço ninguém que tenha estado na sua companhia e não se tenha totalmente rendido ao seu charme, personalidade e integridade", afirmou.

Carlin é dos jornalistas que acompanhou o processo de libertação de Mandela, há 20 anos, e os primeiros anos de transição pós-apartheid, fonte para o livro "Playing the enemy" (Invictus -- O Triunfo de Nelson Mandela), que inspira o novo filme de Clint Eastwood e que tem como clímax a final do mundial de Rugby de 1995, e que hoje se estreia em Portugal.

Uma das grandes conquistas de Mandela é aliás, na opinião de Carlin, essa final e o que traduziu -- "conquistar a África do Sul branca (...) que tinha sido programada para o ver como o grande terrorista, o Osama Bin Laden da África do Sul".

"Em cinco anos, nesta final de rugby, toda a África do Sul e praticamente toda a África do Sul branca estava a seus pés coroando-o como o seu rei", afirmou.

A outra grande conquista política "extraordinária, sem precedentes em política democrática" foi de "persuadir o seu próprio povo a evitar a vingança e a embarcar no caminho da reconciliação depois de séculos de humilhação as mãos dam inoria branca"

Carlin admite que Mandela não se desviou dos fortes princípios do ANC -- "gente pragmática que preferiu a negociação pacifica" -- mas recorda que ele foi um dos que aguentou a transição, um momento muito "delicado", com períodos de tensão extraordinária".

"Entre a libertação de Mandela e a sua eleição, quase diariamente balançávamos de esperança para desespero. Entre acabar numa guerra civil catastrófica ou numa solução pacífica", disse.

"Sem a liderança a personalidade e o carisma de Mandela é muito possível que a África do Sul, em vez de ser o pais que está a beira de acolher o campeonato do mundo estaria muito mais próximo de ser o Afeganistão", comentou.

Mandela soube ultrapassar os medos de parte a parte, convencer brancos e negros a reconciliar-se e liderar, em conjunto com personalidades como Desmond Tutu, um processo de reconciliação com um balanço adequado com a justiça.

Carlin recorda os pedidos regulares dos negros para que Mandela autorizasse o uso de armas -- "teria sido fácil dizer isso às pessoas que obedeceriam" -- e a decisão de que "por mais que a vingança satisfizesse momentaneamente não era o caminho mais inteligente".

"Mandela não é o Gandhi. Foi o fundador da ala militar do ANC em 1961. Mas na cadeia entendeu os limites do possível. Não iam chegar ao poder como o Fidel Castro, que foi anteriormente o seu grande modelo", sublinha.

E é também pelo legado de Mandela que hoje o país é "uma democracia estável" que só suscita interesse jornalístico pelo facto de acolher um mundial de futebol e que passou de ser um país com notícias "épicas e singular" a "não ter muita importância noticiosa".

"E que tem a figura de Mandela como compasso moral. Alguém que consegue ser uma figura de grande autoridade moral, que por acaso também é o líder político e um politico eficiente e prático", afirmou.

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