"Sem Mais Tempo a Perder"

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"Sem mais tempo a perder", é o título de um relatório do Conselho Nacional da Saúde (2019) sobre a saúde psicológica em Portugal. O título é elucidativo e expressa a ideia de que a saúde psicológica seria o desafio da próxima década. Pouco depois, irrompe a Covid-19. Uma das conclusões do estudo foi que a reforma da saúde mental estava atrasada e adiada. Uma ilação já repetida, noutros relatórios, noutros contextos. Durante e depois da pandemia, sabemos o que se passou, em termos de saúde psicológica. Durante a pandemia uma enorme pressão psicológica, a vários níveis, e nos mais diversos setores da população. A incerteza, a dor, o medo, a perda de pessoas, os lutos. Um aumento exponencial de perturbações psicológicas registou-se a nível nacional e internacional, bem como o consumo de psicofármacos. Em ambos os casos, os números já eram assustadores antes da pandemia.

Recentemente, a OCDE publicou um relatório que conclui que Portugal não regista um investimento adequado na área da saúde. Exemplo? O Plano Nacional para Saúde Mental de 2008 não foi executado. As avaliações e as atualizações dos planos de saúde mental, têm, repetidamente, chegado à conclusão do adiamento sucessivo da reforma da saúde mental. O lugar-comum que tem feito títulos e frases de muitos textos: saúde mental, o parente pobre. Estamos em vias de ter a execução progressiva do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), estando inscritos 88 milhões de euros de investimento público, para a área da saúde mental. Temos hoje a segurança e a convicção de que, desta vez, não haverá um adiamento de uma mudança estrutural para o país? O risco de não haver uma real vontade política de alterar processos instalados parece ser muito elevado. O perigo de entrarem milhões de euros no país e de não terem um aproveitamento racional e eficaz, não será, porventura, menor.

Têm sido referidas áreas prioritárias do PRR, como por exemplo, as equipas comunitárias e a necessidade de criar vagas para os cuidados continuados. Sem prejuízo de serem áreas cruciais e com enormes lacunas, parecem haver menos medidas para a área da saúde psicológica, que não englobam os contextos de saúde e doença mental mais grave. Ou seja, a área da saúde psicológica que lidará como a grande maioria da população (sem que isso signifique esquecer ou estigmatizar áreas e populações específicas).

Sem cansar muito o leitor com referências e estudos, vejamos uma curta síntese de alguns dados conhecidos:

- Um em cada cinco portugueses sofre de perturbações psicológicas (não de doença mental, no sentido mais profundo, mas sobretudo de perturbações psicológicas como a ansiedade e a depressão);

- As mulheres e os homens portugueses são os maiores consumidores de psicofármacos na Europa;

- Este consumo de psicofármacos tem aumentado exponencialmente, constituindo um grave problema de saúde e de finanças públicas

- As perturbações psicológicas e do comportamento, são a primeira causa de anos vividos com incapacidade (20,55%), e são a segunda causa de anos perdidos de vida saudável (11,75%);

-O custo estimado de perda de produtividade das empresas devido ao presentismo e do absentismo, causados por problemas na saúde psicológica, é de 5,3 mil milhões de euros em 2022;

- Temos cerca de 2,5 psicólogos por 100 mil habitantes no serviço nacional de saúde;

- Sabe-se que as populações com maiores índices de perturbações psicológicas têm outros problemas de saúde física associados e contribuem para a procura e maior pressão sobre os serviços de saúde.

Em contraponto outros dados relevantes:

- Por cada 1€ investido em saúde psicológica há um retorno de 5€;

- Vários programas e estudos têm demonstrado que os benefícios de investimento em saúde psicológica suplantam largamente os custos de investimento;

- Várias recomendações internacionais apontam a necessidade de substituir em grande medida as intervenções baseadas exclusivamente em psicofármacos por intervenções psicológicas e psicoterapêuticas;

- Estas últimas são muito eficazes, sabendo-se que as pessoas tratadas por psicoterapia, estão 80% melhores, quando comparadas com pessoas que não realizaram intervenção psicológica;

-As intervenções psicológicas são, em muitas circunstâncias mais eficazes que as intervenções medicamentosas, sabendo-se que as primeiras promovem outro tipo de competências e os seus ganhos prolongam-se no tempo;

Como referido por um conhecido autor da área, "os factos são amigáveis". Isto é, há dados científicos e económicos, acumulados há décadas, que se bem considerados e integrados, sustentam de forma segura uma mudança estrutural de políticas para a saúde psicológica. Falta a tomada de decisão.

Diretor Clínica ISPA

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