Entre as mulheres do thriller, um dos nomes que se destaca é o de Mary Higgins Clark, uma clássica senhora do policial, que ultimamente tem vindo a partilhar a sua escrita com a filha, a actriz e escritora Carol Higgins Clark, com quem já escreveu dois romances, desse modo ensinando-a, ajudando-a e, segundo ela própria, também aprendendo com o tom mais ligeiro e solto dos seus livros, como se pode constatar com Tosquiados, romance editado entre nós pela Pergaminho, que o incluiu na discreta mas muito interessante colecção Damas do Crime..Uma história de puro divertimento, que não pretende ser nada mais do que isso. Ou seja, mantendo-se longe da densidade sensata mas habilidosa dos livros de sua mãe, de quem parece não pretender seguir os passos no que diz respeito, por exemplo, à perspicácia e à procura da alma feminina através do seu lado mais obscuro. Faltando- -lhe, aliás, a consistência e a inclinação literária para a construção do equívoco e do mistério. No entanto, apesar da sua falta de densidade, Carol Higgins Clark sabe contar uma história, preferindo para isso a utilização da ironia constante e o traço fino do humor, numa clara recusa do trato com o medo e com a crueldade complexa e maligna. .Neste seu romance, a agradável surpresa está na criação das figuras femininas, a detective particular Regan Reilly e a sua mãe, a autora policial Nora Regan Reilly. Relacionamento de que a jovem detective se liberta para ir deslindar o assassinato do velho Nat Pemrod, morto quando pensava doar «as receitas da venda de quatro valiosos diamantes (que estavam na sua posse sigilosamente havia quase meio século) ao Clube dos Pioneiros, por ocasião do seu centésimo aniversário». Clube do qual ele e um grande amigo eram sócios. .E é em torno deste tema linear que a história de Tosquiados se desenrola e se constrói, com um permanente sorriso divertido, como se a romancista estivesse empenhada em contrariar a seriedade dos livros maternos, dado Mary Higgins Clark preferir o imbricamento das emoções e das pulsões nocivas, das emoções apaixonadas e dos sentimentos ambíguos. Assim como das palavras, que gosta de trabalhar com a sabedoria que lhe dá o talento, mas também os anos de muita escrita. Prática que falta ainda a Carol, que com a utilização do humor acaba por falhar onde Mary Higgins Clark invariavelmente acerta, como as suas tantas obras traduzidas entre nós podem testemunhar. Histórias encantatórias e empolgantes, no entrelaçamento de estranhos segredos e de múltiplas dúvidas. Enquanto o enredo de Tosquiados destalha, pela sua linearidade, sem condimentos suficientes para manter a linha essencial do thriller. Pois como garantiu Mary Higgins Clark: «Não se pode deixar os leitores em paz. Há que os viciar com o mistério da escrita.» .Creio que na pressa de se «fazer sozinha», sem influência materna, Carol Higgins Clark não toma a necessária atenção ao que escrevem outras autoras jovens como ela, que sem desdenharem a herança das autoras de gerações anteriores, partem para a aventura da escrita com uma voz própria, criativa e inovadora. Como é o caso da excelente Fred Vargas, com Os Que Vão Morrer Te Saúdam, e sobretudo com Um Homem Do Avesso (Pergaminho), não temendo Vargas tocar o interdito. Mas, fiquemos por agora com o melhor que tem Tosquiados: as suas personagens femininas bem delineadas, atentamente urdidas e cativantes, havendo nelas uma consistência que as faz parecer calorosas e autênticas.