Sem ajuda do BCE, juros das obrigações portuguesas seriam o dobro
A taxa de juro de longo prazo da dívida pública portuguesa seria cerca do dobro dos valores atuais sem o efeito dos programas de compra de ativos (a maioria deles obrigações do tesouro) do Banco Central Europeu (BCE), mostra um estudo publicado pela Comissão Europeia (CE).
A taxa média mensal das obrigações do tesouro a dez anos (longo prazo) está a cair de forma sustentada desde o início de 2017, refletindo sobretudo as compras massivas de dívida do BCE, ao abrigo do chamado quantitative easing (QE). Em fevereiro de 2017, a taxa estava nos 4% e no final desse ano já ia em 1,8%.
O referido estudo, inserido no relatório semestral da Comissão sobre a zona euro, publicado na passada sexta-feira, demonstra que o efeito BCE tem sido o principal motor para a descida das taxas de juro nos 11 países da moeda única analisados.
De acordo com um dos modelos usados pelos economistas Daniel Monteiro e Bořek Vašíček para estimar a influência dos vários fatores que determinam a evolução da taxa de juro soberana dos vários países (modelo TVP, isto é com parâmetros variáveis), em 2017 e início de 2018, Portugal beneficiou de um desconto de dois pontos percentuais ou até um pouco mais na taxa de juro a dez anos.
Portanto, em vez dos tais 1,8% ou 2%, que foram as médias registadas na viragem de 2017 para 2018, a taxa de juro sem o tal efeito resultante da intervenção do BCE seria de 3,8% ou 4%, aproximadamente.
Transpondo para a realidade atual, e assumindo que esse efeito continua a ser o mesmo, a taxa de juro média no mercado secundário rondaria os 3,4% em vez dos 1,4% (média desde início de março de 2019 até final de sexta-feira).
Ao abrigo do tal programa não convencional de expansão monetária (compra de ativos aos bancos comerciais, sobretudo dívida pública e, em muito menor proporção, alguma dívida de grandes empresas, como a EDP), o BCE conserva hoje no seu balanço mais de 37 mil milhões de euros em OT portuguesas, por exemplo.
O artigo publicado por Bruxelas diz que "os programas de compra de ativos do Eurossistema desempenharam um papel importante na estabilização das taxas de juro públicas". No caso de Portugal é mesmo o principal fator de redução ao longo dos últimos anos, mostram os autores num gráfico sobre a realidade portuguesa.
O BCE lançou o tal quantitative easing em março de 2015, tendo encerrado o programa no final do ano passado. No entanto, como o banco central mantém as obrigações no balanço (vai fazendo reinvestimentos), estas não são largadas ou vendidas no mercado, evitando assim uma subida das taxas, que hoje estão em mínimos históricos.
Pelo contrário, refere o mesmo estudo de Bruxelas, "entre as variáveis que explicam a evolução das taxas de juro [no modelo TVP], o valor do rácio da dívida em relação ao produto interno bruto [PIB] dá um contributo-chave em termos da magnitude do seu impacto nas taxas e da variabilidade ao longo do tempo, nos vários países".
No caso de Portugal, o facto de o nível da dívida ainda continuar muito elevado (um dos mais altos entre os países desenvolvidos) contribui diretamente para adicionar à taxa de juro das OT cerca de quatro pontos percentuais.
Isto é, ter uma dívida enorme agrava o prémio de risco da República, pois materializa a perceção de que, caso o país entre em apuros, pode ter dificuldades em pagar o que deve. Este problema tem sido e continua a ser relevado insistentemente por todas as entidades que avaliam numa base regular a saúde financeira do país (BCE, FMI, CE, agências de rating, etc.).
Embora esteja a cair, o fardo da dívida pública continua acima de 121% do PIB, muito para além dos 60% (máximo definido no Programa de Estabilidade) ou dos 90% que é, dizem alguns economistas, o nível a partir do qual a dívida começa a ser perigosa e a causar atritos no crescimento e no emprego.
Existem ainda outros fatores que contribuem para fazer subir ou descer as taxas, mas são quase marginais quando se compara com o efeito BCE ou o efeito rácio da dívida. Por exemplo, o fator crescimento económico (efeito retoma) ajuda a reduzir as taxas de juro, mas no caso de Portugal não irá além dos 0,1 pontos percentuais.
Em contrapartida, há o efeito "risco global" e o efeito "falta de liquidez" das OT. Este último agravou as taxas portuguesas em cerca de seis centésimas apenas, indicam os analistas da CE.
"No caso de Portugal", escreveu a instituição governada por Carlos Costa, em finais de 2015, "as taxas de juro das obrigações de dívida pública a dois e a dez anos situavam-se cerca de 2,5 pp [pontos percentuais] abaixo do nível que resultaria estritamente dos fundamentos macroeconómicos que caracterizam a economia portuguesa", isto é, se não existisse o programa de expansão monetária do BCE.
Na altura, a taxa de juro rondava os 2,5%, pelo que, expurgando o efeito BCE, a taxa soberana poderia ser 5%.
O Banco de Portugal (BdP) indicou ainda que a República Portuguesa era o soberano que mais estaria a beneficiar (nas taxas de juro) em dez casos por si analisados.
Ainda assim, aquele valor de 5% que decorre da análise do BdP é superior aos referidos 3,4% atuais (também sem o efeito QE), mas recorde-se que, no final desse ano de 2015, Portugal estava com uma dívida e um défice muito superiores aos atuais e as OT ainda eram classificadas como "lixo" pelas três maiores agências de rating (Standard & Poor's, Fitch e Moody's), coisa que hoje já não sucede. O QE também tinha começado há pouco tempo, em março desse ano.
A S&P foi a primeira destas empresas de notação financeira a devolver à República a nota de investimento (tirando-a do chamado lixo, nível especulativo). Isso aconteceu há um ano e meio.
Mário Centeno, o ministro das Finanças raramente atribui a descida dos juros ao efeito BCE. Quando, na sexta-feira, 22 de março, a S&P subiu o rating de Portugal, o governante fez questão de dizer à Lusa que "a melhoria reflete o reconhecimento de transformações estruturais na economia e terá impacto direto nos custos de financiamento das famílias, empresas e Estado". "Trata-se de uma decisão que contribui para reforçar a confiança dos investidores e a credibilidade externa de Portugal", acrescentou.
Pelas contas do ministro e presidente do Eurogrupo, "foi um sinal positivo e ao mesmo tempo muito claro do retorno à normalidade do financiamento da República", permitindo poupar "1270 milhões de euros em juros" nas emissões de dívida realizadas neste último ano e meio.