Selma Uamusse e Tom Zé imparáveis no Mimo

No primeiro dia do festival em Amarante, Moçambique e Brasil fizeram-se ouvir. O Mimo, de entrada livre, continua neste fim de semana
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"A Carla ainda se vai arranjar", dizia uma rapariga para outra, à porta de uma pequena loja de Amarante, por volta das 20.45 desta sexta-feira, primeiro dia de festival Mimo. Um pouco depois, voltaríamos a encontrá-las no largo da românica igreja de São Gonçalo, durante o concerto ao piano do brasileiro Egberto Gismonti - "o meu nome é uma encrenca danada", diria ele. Desta vez, nada de guitarra da parte do músico que tem raízes libanesas e italianas, e que conduziu o concerto como se conduz uma viagem: "Navegar é preciso", disse, citando Plutarco.

Esta é a primeira vez que o festival nascido na cidade brasileira de Olinda, criado por Lu Araújo, sai do seu país. O Mimo, sempre de entrada livre e a pensar na relação entre o que acontece no palco e o património envolvente da cidade, começava ontem a ganhar forma em Amarante. As famílias iam saindo à rua, os adolescentes namoravam à margem do palco, as crianças dançavam, outras sentavam-se junto à estátua de São Francisco, nas colunas da igreja; ouvia-se falar português, maioritariamente com sotaque do Norte, mas outras vezes do Brasil.

Deu-se depois uma debandada até ao Parque Ribeirinho, onde dali a nada Selma Uamusse, moçambicana que cedo se mudou para Portugal, subiria ao palco. Começou por cantar em changana, dialeto moçambicano. "Isto quer dizer obrigada pela vossa presença. Obrigada por todas as coisas", explicou. Selma dançou, mostrou ao público um grito de guerra, fez ouvir instrumentos moçambicanos como a timbila e a mbira e, mesmo antes do fim, depois de cantar canções como Ngono Utana, o seu primeiro single a solo, ou Song of Africa, acerca do seu regresso àquele continente, chamou quem quisesse subir ao palco e dançou com todos eles.

"Demorou tanto! Eu estava com tanta saudade!" estas palavras e o tom em que foram proferidas por Tom Zé foram prelúdio de todo o concerto que se seguiria. Estava imparável o brasileiro que completa 80 anos em outubro e que o Mimo homenageia através da exibição de filmes como Tom Zé Astronauta Libertado (Ígor Iglesias González), ontem, ou Tom Zé a lavagem das calcinhas voadoras (Huila Gomes e André Hime) e Tropicália (Marcelo Machado), este sábado às 18.00.

O "astronauta libertado" aterrou logo com Nave Maria, do álbum homónimo de 1984. Depois, houve muito de Vira Lata na Via Láctea, de 2014. Canções como Salva a Humanidade ou Banca de jornal - que habitualmente canta o conterrâneo Criolo. Horas antes, Tom Zé, dizia ao DN que conseguia perceber como corria um concerto olhando para os olhos de quem estava na plateia. E, de facto, a certa altura, o músico chegou a repetir canções, alegando que a plateia não as havia entendido, ou que estava desconcentrada.

Nome maior do movimento Tropicália, no Brasil dos anos 60, ao lado de Caetano Veloso ou Gilberto Gil, Tom fazia rir frequentemente a plateia em momentos como aquele em que, ao mostrar os seus discos, afirmou que Nave Maria foi escolhida pela revista de música Pitchfork para uma lista das melhores músicas dos anos 80. Avisando que falava para quem "entendia de música internacional", acrescentou: "Pitchfork, eu nem sei o que é". Quase no final do concerto em que cantou, dançou, gritou o nome da cidade por diversas vezes e se escusou de deixar de dizer palavrões porque lá na Bahia, de onde é, nem o chegam a ser, Tom Zé pôs a cidade a cantar um dos seus temas mais conhecidos, Xique Xique.

O festival continua este sábado, com os blues do deserto do Mali que trará a guitarra de Vieux Farka Touré, às 22.30, e com o brasileiro Hamilton de Holanda e o Baile do Almeidinha, que convidam a espanhola Silvia Pérez Cruz, o português Miguel Araújo e o cabo-verdiano e ex-ministro da cultura Mário Lúcio para se juntarem ao baile, às 00.30.

Antes, a guitarra de Custódio Castelo faz-se ouvir na Igreja de São Pedro, seguido do DJ brasileiro Marcelinho da Lua, às 17.00 no Parque Ribeirinho. Segue-se a Banda Musical de Amarante e, depois, o brasileiro João Fênix, às 21.00.

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