Segurança, saúde e ambiente: a campanha para além do Brexit
Georgia ia apressada a caminho do escritório, mas o muro de flores chamou a sua atenção. Pôs-se a ler as mensagens - "Jack e Saskia, duas bonitas almas" ou "A vossa bondade não será esquecida" - e a pressa ficou por momentos esquecida. "É a primeira vez que passo aqui desde o atentado. Não estava no escritório na sexta-feira, mas os meus colegas contam que ficaram em pânico. Os seguranças fecharam logo tudo, mas não sabiam o que estava a acontecer", contou ao DN.
Mais de dois anos depois de uma carrinha ter atropelado vários transeuntes do lado sul da Ponte de Londres, antes de os seus três ocupantes começarem a esfaquear as pessoas que estavam nos restaurantes e pubs da área, fazendo oito mortos, a ponte que liga a City a Southwark voltou a ser palco de um atentado islamita, novamente em véspera das eleições.
No dia 30 de novembro, um condenado por terrorismo que tinha saído em liberdade após cumprir menos de metade da pena esfaqueou várias pessoas, entre elas Jack Merritt, de 25 anos, e Saskia Jones, de 23 anos, ambos da Universidade de Cambridge. Estavam todos no Fishmongers' Hall, um edifício no lado norte da ponte, numa conferência que assinalava o quinto aniversário do programa de reabilitação Aprender Juntos, que junta condenados com estudantes universitários. Jack era um dos coordenadores e Saskia uma voluntária. Ambos acabaram por morrer. O atacante foi abatido a tiro pela polícia e o caso marcou a campanha, desviando por momentos a atenção do Brexit.
Num dos três memoriais improvisados na Ponte de Londres, Georgia não tem dúvidas de que o tema marca as eleições. "Infelizmente, Londres está a tornar-se um sítio onde estes acontecimentos se tornam 'normais', mas isso não significa que não sejamos sempre apanhados de surpresa e que fiquemos com medo", contou a jovem advogada, que concorda com o líder conservador, Boris Johnson, que no rescaldo do ataque defendeu uma mão firme contra o crime e acabar com as saídas antes de tempo para condenados por terrorismo.
Mas a reação do primeiro-ministro não agradou a todos. Começando pelo pai de Jack Merritt, que, numa entrevista ao The Guardian, disse que o filho ficaria "lívido se a sua morte fosse usada para reforçar uma agenda de ódio", tudo aquilo contra o qual ele lutava. "Acho incrível que continue a defender aquilo que defendia o filho, tendo em conta as circunstâncias. Seria mais fácil ceder diante do luto", refere Georgia.
No geral, a advogada acredita que a segurança tem vindo a aumentar nos últimos anos. "Mas quando uma situação como esta acontece, começamos novamente a duvidar", indica, apontando para o edifício onde a polícia ainda mantinha uma lona azul a tapar o local do crime.
Ao contrário de Boris Johnson, que depois de ser atacado pela forma como defendeu uma mão forte contra o crime lembrou que esta era a sua política há já vários meses e não era nova, o líder do Labour, Jeremy Corbyn, foi mais brando. Atacando o conservador pelos cortes no policiamento que foram feitos na última década, defendeu que é preciso voltar a investir no sistema de prisões e que cada caso é um caso no que diz respeito a uma libertação antes do final da pena. "Depende das circunstâncias" e "do que fizeram na prisão", indicou.
O Brexit é o grande tema da campanha eleitoral. Os britânicos são chamados às urnas nesta quinta-feira, com Boris Johnson a querer uma maioria no Parlamento que lhe permita avançar com o acordo de saída da União Europeia que negociou com os restantes 27, desencadeando o Brexit até 31 de janeiro.
Já Corbyn defende renegociar o acordo e em seis meses voltar a perguntar aos britânicos o que querem, num segundo referendo: o novo acordo ou continuar na União Europeia. Corbyn, que é eurocético e foi criticado por não ter participado ativamente na campanha para o referendo de 2016, disse que manterá uma posição de neutralidade na hora de voltar a ouvir os eleitores, comprometendo-se a cumprir aquilo que tenham escolhido.
Mas se para Boris tudo se resume a "get Brexit done" (cumprir com o Brexit), Corbyn centrou a sua campanha na defesa do Sistema Nacional de Saúde britânico (NHS, na sigla em inglês), que é o segundo tema mais importante da campanha para 45% dos eleitores.
Corbyn apresentou alegadas provas de que o governo britânico estará a negociar com os EUA a "venda" do NHS, como parte do acordo de comércio que terá de negociar após o Brexit. As provas, alegou-se depois, estarão ligadas a uma campanha russa para interferir nas eleições.
Durante a cimeira que assinalou o 70.º aniversário da NATO, que decorreu em Londres, membros do NHS saíram em defesa do serviço de saúde britânico, atacando o presidente norte-americano. Donald Trump negou o interesse dos EUA no NHS, dizendo que não o queria "nem que fosse oferecido numa bandeja de prata".
A meio da The Mall, a alameda que liga a Praça de Trafalgar ao Palácio de Buckingham, Carol e Joanna levam nas mãos um balão de um Trump bebé, uma miniatura daquele que tem feito sucesso em vários protestos contra o presidente norte-americano. Nos cartazes que empunham lê-se "tira as tuas mãos pequenas do nosso NHS" e "tira o teu cu gordo do nosso NHS".
"Não trabalhamos no serviço nacional de saúde, mas estamos aqui para o defender, porque, apesar de ter problemas, sabemos que é melhor do que nada. E nada é com o que arriscamos ficar", dizem as duas amigas, que vão a caminho do protesto marcado para a frente do Palácio de Buckingham, onde a rainha Isabel II ofereceu um jantar para os líderes da NATO.
A polícia não deixa, contudo, que os manifestantes se aproximem, mantendo-os afastados dos líderes mundiais. No meio de gritos de "libertem a Palestina", "Não ao nuclear" ou em defesa da paz, destacam-se mais cartazes em defesa do NHS. Gina é enfermeira há quase dez anos e tem reparado como, ao longo desse tempo, no hospital em que trabalha (cujo nome não quis revelar) o serviço de saúde se tem vindo a degradar com o tempo.
"No meu hospital já há serviços que funcionam em outsourcing e acredito que os conservadores não tenham problemas em privatizar mais e acabar com o NHS", lamenta, dizendo que não acredita quando Trump diz que não está interessado ou quando Boris diz que não está em cima da mesa. "Não acredito porque já está a acontecer. E, vá lá, não será a primeira vez que nos mentem, certo?"
Gina, que vai votar Labour, tem medo do que vai sair das eleições. "Não estou muito confiante. Espero entrar bêbeda no dia 13, à medida que forem caindo os resultados. Logo vejo se continuo bêbeda ao longo de sexta... e do fim de semana", diz, meio em tom de brincadeira.
Por causa do alegado interesse dos norte-americanos no NHS, fez sucesso nas redes sociais um vídeo em que se pergunta aos britânicos quanto é que acham que os norte-americanos têm de pagar por diferentes atos médicos nos EUA. Chamar uma ambulância, por exemplo, pode custar 2500 dólares nos EUA, sendo grátis no Reino Unido.
Já no início da última semana de campanha, o NHS voltou à ribalta por causa de uma fotografia na primeira página do jornal Daily Mirror, em que se vê uma criança de 4 anos que teve de dormir no chão do hospital por falta de camas, quando se suspeitava que pudesse ter pneumonia.
Confrontado com a imagem no telemóvel de um jornalista durante uma entrevista, para a ITV, Boris Johnson começou por pegar no aparelho e pô-lo no bolso, aparentemente sem sequer olhar. Depois da insistência do jornalista, tirou o telemóvel do bolso e olhou para o ecrã. "É uma foto terrível e peço desculpas à família e a todos os que tiveram uma má experiência no NHS", disse o primeiro-ministro.
Os Tories prometem 50 mil novas enfermeiras - mas, na prática, trata-se de reter 19 mil que já trabalham no NHS e contratar mais 31 mil. Os conservadores querem ainda abrir 40 novos hospitais e remodelar outros 20, assim como abrir mais seis mil centros de saúde. Já o Labour promete gastar mais 26 mil milhões de dólares no NHS até 2024.
Andrew e James ainda não têm idade para votar nestas eleições mas a política é algo pelo qual se começam a interessar. Não por causa do Brexit, mas das alterações climáticas, que já os levaram a fazer greve à escola à sexta-feira, seguindo os protestos liderados pela adolescente sueca Greta Thunberg.
"Queríamos que o tema tivesse sido mais discutido nestas eleições, mas estão todos focados no Brexit, parece que mais nada importa", lamenta Andrew, que regressa a casa junto com o amigo James, ambos de farda azul vestida da escola de Islington, no centro de Londres. "Viu o debate? Mostra que as alterações climáticas não lhes interessam nada", acrescenta.
O debate de que fala foi o que o Channel 4 dedicou ao tema do clima, a 28 de novembro. Era suposto ter sido um frente a frente entre todos os líderes dos principais partidos britânicos, mas o primeiro-ministro, Boris Johnson, líder dos conservadores, optou por não aparecer. Nigel Farage, líder do Partido do Brexit, fez o mesmo.
Em vez de Johnson e Farage, o Channel 4 colocou em palco duas esculturas de gelo - rejeitando quando Michael Gove apareceu no estúdio em substituição do primeiro-ministro e recebendo por isso as críticas dos conservadores.
"Também não sei se acredito em mais promessas, eles continuam a dizer que querem cortar nas emissões, mas enquanto não passarem à prática não acredito", referiu James, de 15 anos.
Os Verdes defendem acabar com as emissões até 2030, mas o Labour é mais cauteloso, falando numa neutralidade de emissões de carbono nesse ano. Outros partidos acreditam que é impossível chegar a esse valor tão cedo. Os conservadores mantêm o alvo de 2050.
Depois há planos no que diz respeito a melhorar os transportes públicos, planear uma transformação para um economia verde ou melhorar a eficiência energética das casas no Reino Unido.
"Nós vamos fazendo o nosso papel, mas admito que também não é muito radical. Estamos a tentar diminuir o consumo de plástico, mas ainda vamos viajar nas férias de verão", diz Andrew, enquanto olha para o telemóvel para dizer que já está atrasado para ir para casa.