Segurança pública deixa o Governo Lula inseguro

Violência em Copacabana, e muitos mais pontos do Brasil, preocupa população e afeta aprovação de um presidente com fama de passivo no combate ao crime. Para piorar, não há ministro da área.
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Marcelo Benchimol, 67 anos, passeava na rua quando viu uma senhora ser assaltada, decidiu intervir e acabou, ele próprio, não só roubado como atirado ao chão, em imagens chocantes documentadas por câmeras de segurança e difundidas em todo o Brasil. Por ter sido em Copacabana, um dos bairros mais famosos do Rio de Janeiro, do país e até do mundo, os efeitos políticos são de longo alcance - chegam ao Palácio do Planalto, em Brasília. A Segurança Pública, ou a falta dela, é o maior calcanhar de Aquiles do governo de Lula da Silva.

Na sequência do caso envolvendo Benchimol e de muitos outros, grupos de "justiceiros" começaram a perseguir assaltantes, gerando o caos na zona sul do Rio. Comerciantes daqueles bairros reforçaram medidas de segurança e residentes passaram a usar um telemóvel de passeio e outro, com os dados essenciais, para ficar em casa, longe dos ladrões. Os furtos em Copacabana aumentaram 56% de janeiro a outubro de 2023 se comparados ao mesmo período de 2022.
"Jamais defenderei a formação de grupos de justiceiros, mas alguém acha que a população ficará passiva apenas assistindo vizinhos, amigos e familiares vitimados pelo crime violento sem fazer nada, enquanto o Estado negligencia a sua atribuição mais elementar?", perguntou-se o economista Joel Pinheiro da Fonseca, colunista do jornal Folha de S. Paulo.

O Rio, entretanto, é só a ponta mediática de um iceberg: segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), as notificações de violações cresceram 16,3% em média em todo o país no primeiro semestre de 2023, o que equivale a dizer que, a cada oito minutos, uma mulher é violada, o maior índice desde 2019. No estado de São Paulo, o mais populoso do país, os feminicídios cresceram 33,7% este ano, em Minas Gerais, o segundo mais populoso, 25,6%.

Em resposta, as polícias, sobretudo a do Rio e a da Bahia, têm sido notícia por chacinas efetuadas em favelas "à procura de suspeitos". Mas é no Mato Grosso, cuja polícia matou 66 pessoas este ano face a 15 em 2022, que o aumento, de 340%, do crime policial mais se notou. No Distrito Federal, em Santa Catarina e em Roraima, as vítimas da polícia duplicaram.

Na Amazónia Legal, grupo de estados que abriga a floresta tropical, estudo do FBSP de novembro indica que a taxa de mortes violentas na região é hoje 45% maior do que a média nacional em virtude da guerra entre Primeiro Comando da Capital e Comando Vermelho, as duas maiores organizações criminosas do Brasil, iniciada no local há sete anos.

Estes números geram outros: segundo sondagem dos últimos dias do instituto Atlas Intel, 60,8% dos brasileiros veem "a criminalidade e o tráfico de drogas como principal problema do país" e 41% deles consideram "péssima a atuação do governo" na área. Segundo a pesquisa, seis em cada 10 brasileiros teme andar na rua. Noutra sondagem, de dois meses antes, a violência surgia empatada com a saúde como principal preocupação dos brasileiros, segundo o instituto Datafolha.

Por isso, uma terceira sondagem, do instituto Ipec, do último dia 8, registou, mesmo com a economia a dar sinais positivos, uma queda na aprovação de Lula de dois pontos percentuais - para 38% - e um aumento da rejeição de cinco - para 30%.
O alerta soou no Planalto até porque a pasta da Segurança Pública, atrelada à da Justiça no mesmo ministério, está virtualmente sem dono. Flávio Dino, o ainda titular, foi nomeado por Lula para o Supremo Tribunal Federal (STF) e já passou por "prova oral" no Senado nesta semana, o último trâmite antes de chegar à corte.

A atuação de Dino no ministério da Justiça e da Segurança Pública, entretanto, foi considerada negativa: dado a frases de efeito e a conferência de imprensa espetaculares, anunciou o envio da Força Nacional para o Rio por 45 dias após incêndios de autocarros pela milícia, mas, segundo a revista Veja, as tropas especiais não só não apreenderam armas ou drogas, como ainda viram começar, debaixo do seu nariz, a onda de assaltos de Copacabana. A operação custou 10 milhões de reais (perto de dois milhões de euros).

O maior erro político do ministro com esses anúncios festivos, segundo observadores, foi ter atraído para o governo federal um problema, a Segurança Pública, que é sobretudo responsabilidade local, dos estados e das prefeituras.

"À direita, a resposta mais fácil é culpar Lula. Um discurso que se esquece de que quem cuida da segurança pública são principalmente governo do estado e prefeitura", continua Pinheiro da Fonseca. "No entanto, a acusação tem seu fundinho de verdade: a esquerda é um vazio de propostas no tema da segurança", conclui o economista.

Com a violência a influenciar a aprovação do governo, o presidente hesita na escolha para o substituto de Dino. Já foram citados como hipóteses Ricardo Capelli, o braço-direito do ministro, Ricardo Lewandowski, ex-juiz do STF, Gleisi Hoffmann, a atual presidente do PT, Jorge Messias, Advogado Geral da União, ou Simone Tebet, a ex-candidata presidencial que ocupa a pasta do Desenvolvimento. O desmembramento do ministério, Justiça de um lado e Segurança Pública do outro, também é uma possibilidade para 2024.

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