Segurança Interna pressiona PJ para partilhar Europol e Interpol

Um ano depois de ter começado a funcionar, o "balcão único" para a cooperação policial internacional ainda tem "constrangimentos". Helena Fazenda apelou aos chefes das polícias para cumprirem a lei e acabarem com os bloqueios.
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Tem sido um ponto de conflito entre a Polícia Judiciária (PJ) e o Sistema de Segurança Interna (SSI), dirigido pela procuradora Helena Fazenda: o funcionamento dos gabinetes nacionais da Europol e da Interpol é da responsabilidade da PJ, segundo a sua lei orgânica, mas desde agosto de 2017, com a criação do Ponto Único de Contacto para a Cooperação Policial Internacional (PUC-CPI), a sua operacionalização devia estar nesta estrutura, coordenada pela secretária-geral do SSI.

O PUC é um "centro operacional" que assegura "a receção, o encaminhamento e a difusão nacional de informação proveniente das autoridades policiais estrangeiras, a transmissão de informação e a satisfação dos pedidos por estas formulados", define a legislação. Reúne sob a mesma gestão os gabinetes Sirene, Interpol e Europol, a coordenação dos oficiais de ligação nacionais e estrangeiros, a coordenação dos centros de cooperação policial e aduaneira e os pontos de contacto decorrentes das Decisões Prüm. Estão repartidos em quatro gabinetes, cuja gestão dos pedidos de informação e respostas é feita por oficiais e inspetores de GNR, PJ, PSP e Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.

A verdade é que aquilo que o primeiro-ministro anunciara como "objetivo estratégico" para 2016 continua sem funcionar a todo o gás, a ponto de Helena Fazenda, que está sob tutela direta de António Costa, ter tomado a iniciativa de alertar os responsáveis máximos das forças e serviços de segurança para a necessidade de ser cumprido o que está na lei.

No passado dia 24 de julho, enviou, com carimbo "urgente" a vermelho, um ofício - a que o DN teve acesso - aos diretores da PJ, da PSP e do SEF e ao comandante-geral da GNR. "Em respeito pelos princípios da disponibilidade e do acesso equivalente" e "em ordem a ultrapassar os normais constrangimentos típicos na operacionalização de um serviço em fase de desenvolvimento", chama a atenção para a necessidade de "unificar procedimentos e dinamizar a operacionalização do PUC-CPI por forma a garantir a adequada capacidade de resposta às solicitações formuladas".

A secretária-geral determina que "os pedidos e respostas relativos à cooperação policial internacional (...) devem ser remetidos através do Centro Operacional PUC-CPI, que garantirá nos termos legalmente fixados a respetiva coordenação e/ou encaminhamento". Fontes policiais que acompanham esta controvérsia garantiram a DN que o alvo da missiva é a Judiciária, precisamente por causa da Europol e da Interpol.

Questionado pelo DN, o SSI justifica que se "pretende harmonizar e unificar procedimentos que permitem melhorar a operacionalização do PUC-CPI", bem como "maximizar os recursos existentes, evitar sobreposições, agilizar diferentes processos e melhorar a gestão dos fluxos de informação". O gabinete de Helena Fazenda sublinha que o PUC-CPI é uma unidade em crescimento e desenvolvimento que implica a introdução faseada de diferentes dinâmicas operacionais. A difusão de medidas de coordenação, por parte da secretária-geral do SSI, integra este processo evolutivo".

A PJ não respondeu ainda ao pedido do DN para esclarecer o motivo de a Europol e a Interpol ainda não terem sido integrados no "balcão único".

"Atentado e mutilação da PJ"

A transferência destes importantes pontos de informações internacionais para a alçada da Segurança Interna mereceu desde início a contestação dos inspetores da PJ e dos procuradores do Ministério Público (MP), através dos seus sindicatos. Quando foi anunciada a criação do PUC-CPI, logo em 2016, a Associação Sindical dos Funcionários da Investigação Criminal (ASFIC), que representa os inspetores da PJ, manifestou a sua "perplexidade" com o que era, na altura, uma "intenção" do executivo.

Em comunicado, consideraram a decisão "um atentado à integridade da investigação e uma mutilação da PJ". Lembraram que as informações que circulam nestes canais de cooperação internacional "maioritariamente respeitam aos crimes mais graves, complexos e organizados que são da sua exclusiva competência". Refutaram qualquer recusa em partilhar a informação, recordando que "foi a própria PJ que sugeriu a criação da Unidade de Coordenação Contra-Terrorismo (UCAT), que visa unicamente a cooperação e a partilha de informação".

A sustentar com factos a sua posição, a ASFIC assinalava que as outras forças e serviços de segurança apenas eram responsáveis por 24% dos pedidos à Europol e 26% à Interpol, sendo todos os restantes geridos pela PJ.

Na mesma linha se insurgiram os procuradores, através do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP). O presidente António Ventinhas afiançou que estava em causa "a separação de poderes, com a intromissão do poder político na atividade de investigação criminal", advertindo que estruturas como a Europol e a Interpol, "que tratam de matérias sensíveis", só podem estar na PJ ou no MP.

O PUC-CPI é considerado pelo governo "um elemento decisivo para a melhoria da prevenção e combate às formas graves de criminalidade, entre as quais o terrorismo". Em causa estão "os fenómenos criminais graves, organizados, transnacionais e, em muitos casos, altamente violentos, incluindo o terrorismo, por porem em causa a segurança e a estabilidade dos Estados" e que "requerem o reforço das sinergias e da cooperação a todos os níveis para uma resposta eficaz e coordenada a nível nacional, europeu e internacional".

Esse reforço, de acordo ainda com o executivo, pressupõe "uma melhor organização interna e capacitação dos Estados para responder às exigências de cooperação, melhorando a aplicação dos instrumentos existentes, garantindo uma interlocução qualificada, assegurando a implementação de orientações e de boas práticas".

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