Segunda oportunidade para Portugal crescer no domínio espacial
Portugal lançou há 24 anos o seu único satélite, o POSAT1. Foi um projeto sem continuidade mas, agora, a UE oferece ao país nova oportunidade de desenvolver uma capacidade sólida no domínio das tecnologias espaciais e que, como nos anos 1990, alia o Estado a universidades e às empresas privadas.
Lisboa formalizou no passado a 21 de agosto a sua candidatura ao programa europeu de Vigilância e Rastreio Espacial (SST, sigla em inglês), ao qual está associado um pacote financeiro de 190 milhões de euros. Só que "o Estado não tem experiência nesse domínio", pelo que esta oportunidade só pode ser aproveitada via consórcio que integre empresas privadas do setor, reconhece ao DN fonte militar ligada ao processo. Outros parceiros são as universidades de Lisboa e do Porto e o Instituto de Telecomunicações.
"Portugal oferece condições de observação do espaço que outros locais não têm", podendo ceder terrenos nos Açores e na Madeira para os privados instalarem telescópios e radares, enquanto "as empresas têm acesso a fundos comunitários e áreas de negócio que de outra forma não conseguem", diz fonte do Ministério da Defesa ligada ao projeto.
Mais, "este é o único programa espacial [europeu] sob o chapéu da Defesa" e que se desenvolve numa "plataforma de gestão partilhada", realça aquela fonte, adiantando que o Estado prevê entrar com um montante até 1,4 milhões de euros no total dos dois milhões de investimento estimado inicial - os quais "podem ser recuperáveis em função do interesse das empresas que entrem nesta parceria" com interesse para a defesa, economia ou ciência.
O programa SST - que se segue ao Galileu (sistema de navegação por satélite), Copernicus (observação da Terra) e GOVSATCOM (comunicações via satélite de governos e Forças Armadas da UE) - visa detetar, catalogar, prever e mapear a trajetória dos milhares de objetos que circulam na órbita do planeta, sejam satélites ativos ou o chamado lixo espacial e que, pela sua quantidade, podem afetar lançamentos de naves ou foguetes para o espaço. Os riscos de colisão associados a todo esse material representam "uma das principais ameaças aos sistemas de satélite" de que dependem múltiplos serviços (meteorologia, telecomunicações), avisa Bruxelas.
Para a Defesa, a aceitação da candidatura portuguesa "permitirá capacitar" o país em "áreas sensíveis e tecnologicamente diferenciadas", bem como contribuirá para "uma maior segurança nacional e internacional no e do espaço". É no plano da vigilância e segurança que, pelas implicações ao nível da soberania, surgiram reservas nalguns círculos com a decisão da espanhola Deimos (ver caixa) em ter um projeto próprio, segundo algumas fontes.
A Deimos integrou um consórcio com outras companhias (como a Edisoft, GMV ou EID) que entregou uma proposta à Defesa em 2014, quando foi lançado o SST europeu, para a qual não houve resposta. Daí ter optado por depois avançar sozinha, explica uma das fontes.
Note-se que em 2015 foi criado o primeiro consórcio de países europeus para o SST, com Alemanha, Espanha, França, Itália e Reino Unido.
"A relevância estratégica deste tema para Portugal resulta do tipo de informação e de tratamento de dados que daí possa resultar", daí decorrendo "a sua importância crítica para efeitos de soberania nacional", alerta uma fonte, enquanto outra lembra que a NATO discute nesta altura a sua estratégia militar para o espaço (visto como área de conflitualidade e a exemplo do que já sucede ao nível da ciberdefesa).
Um oficial do Ministério da Defesa relativiza os receios ao nível da soberania, pois vai-se "receber e partilhar dados e até vender informação" aos atores envolvidos no lançamento e operação dos satélites. "Temos de correr alguns riscos para ter alguma coisa" num setor onde o Estado pouco ou nada tem atualmente, assume esta mesma fonte.
Por isso é que a relação civis-militares constitui "um grande desafio" neste projeto. "Vamos lançar uma competição" para os privados com interesse em associar-se ao Estado, alguns dos quais manifestaram a intenção de aderir com investimentos na ordem de um milhão de euros, sublinha ao DN uma das fontes do Ministério da Defesa. Ao "desenhar o caderno de encargos para as empresas entrarem" - definindo, entre outros parâmetros, o modelo de aquisição de componentes e de exploração do negócio - é que esse aspeto será acautelado.
O projeto é liderado pelo Ministério da Defesa e nele participam o da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior - já envolvido no projeto de criação de um porto espacial na ilha açoriana de Santa Maria, para lançamento de satélites de pequena dimensão - e, ainda a Presidência do Conselho de Ministros e os governos regionais dos Açores e Madeira.