Segredo absoluto é a estratégia para investigar polícias
Quatro investigadores, um coordenador e um inspetor-chefe. Foi com esta estrutura montada durante três anos e com muito secretismo que a unidade da Polícia Judiciária que investiga o crime de corrupção (UNCC) apanhou dois colegas do combate ao tráfico de droga: Dias Santos, um coordenador histórico da Judiciária já reformado, e Ricardo Macedo, inspetor-chefe, suspeitos de terem recebido luvas avultadas de traficantes. Os dois arguidos começarão a ser interrogados hoje no Tribunal Central de Instrução Criminal. A tutela da investigação a Santos e Macedo cabia a dois procuradores do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP).
Era neste circuito fechado, composto por oito pessoas, no máximo, que a informação circulava para não haver hipótese de fugas. Para deixar os suspeitos mais à vontade, os investigadores fizeram correr boatos no interior da PJ de que as denúncias antigas contra Dias Santos - afastado em 2008 da Unidade Nacional de Combate ao Tráfico de Estupefacientes (UNCTE) por uma denúncia interna - tinham sido arquivadas. Entretanto, todos os movimentos dos dois suspeitos eram controlados com vigilâncias permanentes. Nas investigações a polícias suspeitos de crimes, o segredo é mesmo a alma do negócio e faz a diferença entre o sucesso ou o fracasso de um inquérito. Por isso as equipas que buscam provas costumam ser compostas de elementos íntegros e sem ligações pessoais ou afetivas aos agentes da PSP, militares da GNR ou inspetores investigados.
Na PSP, por exemplo, foi criada uma Brigada de Prevenção Criminal (BPC) em 2008 para apanhar os polícias que entraram nas máfias da noite através da segurança privada ilegal e da extorsão. Desde 2008 a BPC já apanhou quase 30 agentes nestes grupos criminosos, confirmou o DN com fonte policial. São mais de seis elementos nesta brigada mas só três da equipa original resistem. Não há nenhuma mulher na BPC. Maria Alice Fernandes, que foi diretora da PJ de Setúbal até ao ano passado, mandou investigar e deter o inspetor João de Sousa (em prisão preventiva), que está a ser julgado no tribunal do Seixal por participação num esquema de fraude fiscal associada ao negócio do ouro, corrupção, recetação e associação criminosa, num processo que conta 33 arguidos. João de Sousa era visto como uma das figuras mais promissoras no Departamento de Setúbal, antes de cair em desgraça.
"Em 36 anos de investigação não prendi só o João de Sousa. Fui responsável por quase uma dúzia de polícias presos, quatro ou cinco deles da PJ. E nenhum foi absolvido", conta a ex-diretora, também ela um nome histórico na Judiciária. A equipa que investigou as suspeitas que recaíam sobre o inspetor era "da maior confiança".
"No dia em que João de Sousa foi detido eu pedi à diretoria de Lisboa uma equipa para o ir buscar à escola da PJ, em Loures, onde ele frequentava um curso. Tive o cuidado de o mandar deter por pessoas que não pertenciam ao Departamento de Setúbal. A equipa de Lisboa era composta por inspetores em quem eu confiava e que já tinham trabalhado comigo."Os elementos de Setúbal acabaram por participar só nas buscas. Também José Brás, reformado da PJ, antigo diretor do departamento de combate ao tráfico, recorda como foi "um grupo muito restrito" que investigou e deteve a ex-coordenadora Ana Paula Matos, condenada por ter desviado 95 mil euros apreendidos a traficantes.
"A falta do dinheiro das apreensões foi o que nos levou a reconstruir o circuito dessas verbas, o que levou a ela", recordou José Brás, que se demitiu da DCITE na sequência deste caso. Ana Paula, que terá cerca de 62 anos, está presa no Brasil a aguardar extradição para Portugal (onde foi condenada a sete anos e meio). "Todas as polícias têm ovelhas negras", sintetiza José Brás. Nestas investigações, não se deve ultrapassar um tempo razoável para recolha da prova.