A chuva que esta semana voltou a cair no Alentejo, com especial incidência na quinta-feira, ainda é insuficiente para, pelo menos, minimizar a falta de água que tem fustigado os distritos de Évora, Beja e Portalegre, onde as pastagens escasseiam e as sementeiras de outono/inverno aguardam por melhores dias. Afinal, ainda só chove 20% de um ano dito normal..As ovelhas e vacas já têm pouco que comer entre as pastagens rasas do Alentejo. "Andam a lamber a terra para apanharem umas ervas ou algum musgo. Tentam apurar o pouco que se come junto aos picos. Estamos como estávamos nos últimos dois anos", lamenta Augusto Carmo, enquanto pega numa faca com a lâmina ferrugenta e corta uma saca de feno para dar um suplemento às mais de 200 cabeças de gado que detém entre 30 hectares de terreno próximo de Borba. "Isto é um prejuízo tão grande, que prefiro nem fazer contas", desabafa ao DN..Augusto Carmo reflete as preocupações transversais à maioria dos criadores de gado e agricultores do Alentejo perante mais um inverno praticamente sem chuva, como atesta Vanda Pires, da divisão de clima do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA). Revela que num janeiro dito normal a precipitação andaria pelos 117 milímetros diários, mas este ano a chuva não foi além dos 20% desse valor no país..É preciso não perder de vista que a técnica está apenas a exibir a realidade do todo nacional, já que só em fevereiro serão analisadas as várias estações. Admite, por isso, que o Alentejo venha a exibir um registo bem mais baixo que os 20%, alegando ter sido no Norte e zona Centro onde mais choveu nas últimas semanas.."A situação deste ano não é tão grave como foi ano passado - a região atingiu a seca severa - mas a chuva no Alentejo tem sido muito abaixo do esperado para a época do ano", diz, admitindo que "tudo aponta para o aumento da seca no Sul do país. Mesmo que caia alguma água por estes dias", ressalva, tendo em conta a previsão do estado do tempo que aponta para ocorrência de aguaceiros .."Era ouro nesta altura", diz Augusto Carmo, quando as pastagens já deveriam ter, pelo menos, dois palmos, mas o verde é por agora ténue na paisagem, enquanto as sementeiras de outono/inverno também vivem dias de impasse à espera da generosidade de São Pedro.."Ainda se podem salvar todas, mas isso depende da chuva que venha a cair", diz José Palha, presidente da Associação Nacional de Produtores de Cereais (ANPOC), colocando-se ao lado dos agricultores que já apelam à extensão da rega a partir da barragem de Alqueva como sendo a ferramenta mais eficaz para minimizar o impacto da falta de chuva..José Palha apela à criação de um grupo de trabalho efetivo que se dedique a "pensar numa estratégia para mitigar as alterações climáticas", sugere José Palha, proprietário de uma herdade com 220 hectares de célebres barros com boas produtividades em Montoito (freguesia do Redondo). Por aqui o milho e o girassol foram, durante anos, as produções dominantes, mas nesta campanha as terras estão ocupadas com um pivô de alhos, com 40 hectares, e dois pivôs de cevada. Recusou o risco.."Optei por estas culturas de outono/inverno com receio de não ter água na primavera para semear uma cultura mais exigente em água", explica, revelando que a barragem da Vigia - que abastece o perímetro de rega onde o produtor se insere - já não enche há cinco anos anos.."Conseguimos 5,5 milhões de metros de cúbicos de água por ano e neste momento temos 3,8 milhões", quantifica, insistindo na necessidade de se investir na "integração desta albufeira no grande sistema de Alqueva", ambicionando que o sistema de rega do grande lago chegue também à barragem de Lucefecit, já no Alandroal..Alerta que para isso "é fundamental a mão do governo", diz, depois de já ontem o próprio ministro da Agricultura, Capoulas Santos, ter manifestado preocupação com a situação de "seca fraca" no sul do país. "Não escondo alguma preocupação", sublinhou o governante em Bruxelas..Barragens em queda à espera que chova.Recorde-se que no final de dezembro verificou-se "o surgimento da classe de seca meteorológica fraca" a sul do Tejo. Foi um mês quente, com a temperatura máxima a alcançar o terceiro valor mais alto em 87 anos, segundo o IPMA, o que agravou o armazenamento de várias albufeiras, sobretudo nas bacias do Guadiana e do Sado.A barragem do Caia rega uma área de 7500 hectares entre Elvas, Campo Maior e Arronches, encontrando-se nos 33% da sua capacidade máxima, quando em ano normal estaria com um nível superior aos 50%. Um cenário que pode comprometer a campanha de rega, uma vez que é preciso assegurar uma reserva na casa dos 30 milhões de metros cúbicos para abastecimento público, que se traduzem em 15% da capacidade máxima da albufeira. A barragem da Vigia (Redondo) encontra-se em pior estado, com uma capacidade de armazenamento na casa dos 22%, segundo avança o Boletim de Armazenamento nas Albufeiras de Portugal Continental. Na bacia do Guadiana só Alqueva, com 82.3%, e Enxoé (81.5) exibem capacidades mais folgadas, enquanto Abrilongo está nos 54.7%, Lucefecit 55%, Monte Novo 63.4% e Beliche 64.4%..Já a bacia do Sado exibe um cenário igualmente pouco animador. Campilhas (9.7%), Fonte Serne (33.4%), Monte da Rocha (11.3%), Odivelas (45.5%), Roxo (38.2%) e Vale do Gaio (48.2%). Seis albufeiras que mostram as maiores dificuldades, enquanto as restantes quatro se perfilam, por agora, mais em sintonia com os valores da época: Alvito (76.2%), Monte Gato (64.8%), Monte Migueis (76.4%) e Pego do Altar (53,7%)