Seca faz elevar a máximos o consumo de gás natural para produção de eletricidade
A seca fez disparar o consumo de gás natural em Portugal para produção de eletricidade. Nunca num arranque de ano se tinha recorrido tanto às centrais de ciclo combinado (alimentadas a gás natural) para geração de energia elétrica, de acordo com os dados da REN - Redes Energéticas Nacionais. Uma tendência que acontece numa altura em que os preços deste combustível estão em alta por causa da guerra na Ucrânia.
No primeiro trimestre, "o consumo acumulado anual de gás natural registou uma variação de 6,6%, resultado de um crescimento de 118% no segmento de produção de energia elétrica, e uma contração de 24% no segmento convencional. O consumo registado no segmento de produção de energia elétrica foi o mais elevado de sempre para o primeiro trimestre", revelou a REN.
Olhando só para os dados do mês de março, o consumo desta fonte energética aumentou 7,7% face ao mesmo período de 2021, um resultado explicado pelo crescimento de mais de 100% do consumo no segmento de centrais elétricas, de acordo com os números da empresa que gere as redes energéticas nacionais. No mês passado, o gás natural representou 30% do consumo nacional.
Na base desta forte subida está a reduzida disponibilidade de energia renovável, ao contrário do que tinha acontecido no período homólogo anterior. Uma tendência explicada pela seca prolongada que o país atravessou e, consequentemente, à descida da produção hidroelétrica que tem um forte peso no mix energético em Portugal. Aliás, em fevereiro, a seca extrema levou o governo a limitar a duas horas por semana a produção de cinco barragens para garantir que não faltava água para o consumo humano.
Ao contrário da produção de eletricidade, os dados divulgados ontem pela REN revelam que, no segmento convencional, que abrange os restantes consumidores, manteve-se a forte tendência de contração do consumo que se vem a registar, principalmente ao nível dos grandes consumidores industriais, com uma variação homóloga negativa de 21% no mês de março. No acumulado dos três primeiros meses do ano houve uma redução de 24% no segmento convencional.
No mês de março, o abastecimento de gás natural foi efetuado integralmente a partir do terminal de GNL de Sines, mantendo-se as exportações através da interligação com Espanha equivalentes a cerca de 7% do consumo nacional.
No que toca ao consumo de energia elétrica, os dados da REN mostram que subiu 9,4% em março, face ao período homólogo, ou 8,3% com correção dos efeitos de temperatura e número de dias úteis.
No primeiro trimestre, a produção renovável abasteceu 49% do consumo, repartida pela eólica com 28%, hidroelétrica com 12%, biomassa com 6% e fotovoltaica com 3,5%. O gás natural pesou 30%, enquanto os restantes 21% corresponderam ao saldo importador.
Porque sobem os preços do gás?
A subida para máximos da produção de eletricidade a partir do gás natural acontece numa altura em que os preços deste combustível têm disparado devido à invasão da Ucrânia pela Rússia. O preço de referência do gás natural na Europa, que há um ano oscilava entre 15 e 20 euros, rondava os 70 euros dias antes do início da guerra (começou no dia 24 de fevereiro) e chegou a negociar a mais de 200 euros por megawatt hora (MWh) nos primeiros dias de março.
Atualmente, os contratos de futuros de gás natural (TTF) negociados nos países baixos com entrega para maio estão a negociar nos 112 euros por MWh. Mas podem voltar a acelerar tendo em conta que a União Europeia está a discutir cortar a importação de gás russo, no seguimento do recente massacre de civis descoberto após a retirada das tropas da cidade ucraniana de Busha.
A guerra lançada por Putin veio agudizar a crise energética que já se fazia sentir e que, inevitavelmente, acabou por se refletir nos preços da eletricidade, tendo em conta que a produção elétrica ainda está muito dependente das centrais de ciclo combinado (gás natural), que fixam o preço de mercado na maioria das vezes do dia. Isto porque a última tecnologia a entrar no mercado é que dita o preço a que a eletricidade é vendida. Esta dependência das centrais de ciclo combinado aumentou com o fecho das centrais a carvão e com o efeito da seca prolongada.
Face à escalada dos preços grossistas da eletricidade e do gás natural que está a ser sentida a nível global, o regulador do setor (ERSE) aumentou as tarifas em 3% para o mercado regulado, desde o dia 1 de abril - que acaba por servir de referência para os restantes comercializadores de energia. E recentemente propôs um novo aumento de 8,2% para as tarifas do gás a partir de outubro.
Tendo em conta este cenário da escalada dos preços, Portugal e Espanha vão fixar tetos máximos ao preço do gás usado na geração de eletricidade para mitigar o aumento dos preços grossistas da eletricidade. Bruxelas deu "luz verde" a esta medida excecional que deverá vigorar até ao final do ano, mas ainda está a avaliar a proposta preliminar final enviada pelos governos português e espanhol na semana passada, que estabelece um preço de referência para o gás de 30 euros por megawatt (MWh).