Seca extrema e águas subterrâneas: risco para a saúde pública e economia

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O início deste ano, com uma prolongada situação de seca extrema e severa, trouxe-nos imagens alarmantes de diversos locais em Portugal onde as alterações expostas pela escassez de água são tão impactantes para o meio ambiente quanto para o consumidor. Ter visíveis as consequências imediatas das alterações climáticas - e do contributo humano para as mesmas - é a mais infeliz, mas também a mais eficaz forma de sensibilização para a necessidade de mudança por parte de todos: consumidores, entidades governamentais, setoriais e empresariais, com particular atenção àquelas que assumem a responsabilidade de gerir a água para consumo humano.

Se à superfície as ameaças que o futuro nos apresenta são visíveis e, portanto, facilmente compreensíveis para o consumidor, o mesmo acolhimento não recebem os riscos relativos às águas subterrâneas. Estes "reservatórios naturais" guardam uma grande parte da água doce em estado líquido do planeta, alimentando o restante ciclo da água e, por consequência, os recursos hídricos que temos disponíveis para os mais variados consumos.

O Dia Mundial da Água sublinhou, este ano, a importância das águas subterrâneas, com o mote "Tornar visível o invisível" a ser escolhido para UN Water para assinalar a efeméride. Uma escolha muito acertada, diria, e não apenas por nos recordar que estes recursos "invisíveis" são essenciais à vida humana. Mais urgente é mesmo relembrar os riscos que se escondem debaixo do solo.

O mais "visível" ou compreensível para todos será, claro, a escassez de água que também afeta os aquíferos quer pela falta de chuva que garante a sua reposição quer pela sobre-exploração a que a ação humana os sujeita. Contudo, os riscos escondidos nas águas subterrâneas vão mais além, chegando à saúde pública e à economia.

É incontestável que as fontes de poluição são crescentes e, apesar de o controlo também o ser, ameaçam os nossos aquíferos. Entre as fontes poluidoras está uma que é habitualmente esquecida e que se prende com a ação do consumidor final. Falamos da falta de adesão à rede pública de saneamento, com a inerente manutenção das fossas sépticas, que é ainda muito elevada em Portugal.
Apesar de obrigatória sempre que haja disponibilidade de rede a menos de 20 metros de uma propriedade, esta ligação é frequentemente ignorada pelos consumidores. Assim, o saneamento não tem o devido encaminhamento para tratamento e posterior devolução ao ambiente. Soluções particulares como fossas (muitas vezes, pouco controladas ou com fraca qualidade) apresentam falhas que podem facilmente levar à contaminação dos solos e à infiltração de esgoto não tratado nas águas subterrâneas. O risco para a saúde pública é inegável.
A falta de ligação à rede acarreta também para o país consequências ao nível económico, que ascendem a prejuízos no valor de 180 milhões de euros anuais, somando a falta de adesão aos serviços de saneamento e também abastecimento de água e resíduos. Os investimentos em redes e toda a operação associada são realizados, mas não sem retorno económico ou ambiental, por não serem usados pelos consumidores.

Como consequência, não só se verifica uma sobrecarga de valores para os consumidores que, efetiva e corretamente, se ligam às redes públicas, como fica em causa a sustentabilidade económica das entidades gestoras destes serviços, que veem comprometida a sua capacidade de realizar futuros investimentos em melhorias de serviço, inovação e eficiência da operação.

Sensibilizar o consumidor para a importância da adesão à rede de saneamento e de água é uma luta que o setor trava há vários anos, procurando tornar visíveis os impactos que, muitas vezes, podem não estar em imagens à frente dos nossos olhos, mas estão a correr debaixo dos nossos pés.


CEO do Grupo INDAQUA

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