"Se sentir o dever ético e cívico, recandidato-me"

Grande entrevista ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa
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Conhece muito bem a história de cada um dos seus antecessores e as características que cada um deles teve, revê-se em alguma característica de um deles ou de alguns deles, dos que já ocuparam aqui o Palácio de Belém?

Eu penso que cada pessoa é diferente de todos os demais, é a maior riqueza da natureza humana. Mesmo com os presidentes, não há dois presidentes iguais em nenhum país do mundo e na nossa democracia não houve dois presidentes iguais. Um princípio que tenho seguido à risca é o de não comentar os meus antecessores, salvo para sublinhar aquilo que de positivo, a meu ver, tiveram em termos históricos.

O Presidente Eanes é inseparável de um passo muito complexo, muito difícil, mas fundamental, que foi o da transição do período pós-revolucionário para uma democracia constitucional plena, que alguns chamam democracia civil. Isso é, a somar no papel que já tinha tido no período revolucionário, um fator de gratidão, que eu aliás recordei no ano passado quando promovi uma série de homenagens que só não culminaram num marechalato porque com a sua humildade proverbial, o Presidente Eanes recusou, já não era a primeira, foi a terceira ou quarta vez que recusou.

O Presidente Mário Soares teve esse protagonismo histórico único que foi o de personificar o arranque da democracia com um civil, depois de, salvo erro, agora não tenho a certeza, 70 anos de militares na presidência da República entre o 28 de Maio de 1926 e realmente a sua eleição. Só isso foi de facto um momento histórico único, mas teve outros momentos históricos muito importantes a somar aos que tinha tido durante a revolução e na adesão à Comunidade Europeia, que foi, por exemplo, o da preparação do arranque da CPLP e o do protagonismo no próprio processo de integração europeia. Não há dúvida de que era presidente nesse momento e isso foi muito importante.

Depois, o Presidente Jorge Sampaio teve de enfrentar, além de momentos importantes na vida interna, recordo a revisão constitucional de 1997, grandes transformações no mundo. É de facto durante as suas presidências que há verdadeiramente roturas apreciáveis em termos universais e ele teve de enfrentar essas mudanças e esses desafios, de facto, com a sua postura bastante aberta, diria também cosmopolita e isso em termos de magistratura presidencial foi muito importante. Como já tinha sido importante, obviamente, ele ter protagonizado um caso singular que foi o da experiência autárquica depois convertida em Presidência da República, que foi único.

Depois, o Presidente Cavaco Silva que tendo tido antes uma longa chefia do Governo, essencial, essencial não há dúvida, em termos da nossa integração europeia e em termos de várias mudanças no país, depois teve de enfrentar um período crítico e praticamente único na democracia portuguesa. Alguns comparam ao período da revolução, mas foi diferente, aí foi menos uma questão de crise económico-financeira e mais uma questão de debate político e, se quiser, de querela política; aqui não, foi uma funda e longa crise económica e financeira.

Naturalmente, todos eles ao longo da sua carreira e, sobretudo, enquanto presidentes, acabaram por revelar qualidades que me permitem e permitem ao comum dos cidadãos, preferindo uns ou outros, realmente dizer que foram todos presidentes muito importantes e que nesse sentido entraram já na História do país por aquilo que foi o seu papel em sucessivos períodos de dez anos.

O que há de comum nesses quatro presidentes é que todos eles dissolveram a Assembleia da República para convocar eleições antecipadas, todos utilizaram a bomba atómica. Gostava de ser o primeiro presidente a não ter que a utilizar?

Sabe que eu tive o cuidado, durante a minha campanha eleitoral, de dizer em que termos é que admitia ou não admitia utilizar o poder de dissolução. Tive ocasião de dizer que o primeiro requisito é que haja uma crise institucional particularmente grave; segundo, que não seja possível encontrar um governo no quadro da mesma composição parlamentar, um governo viável que passe no Parlamento; terceiro que seja plausível, com os dados disponíveis naquele momento, que o resultado da eleição conduza ao desbloqueamento da situação que gerou a dissolução.

Portanto se me pergunta se eu gostava de evitar a bomba atómica porque o país estava em condições tais que ela era evitável, gostava. Quem é que não gosta de evitar a bomba atómica? Utiliza-se a bomba atómica só porque é imprescindível usar a bomba atómica.

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A verdade é que todos os outros a utilizaram.

Pois foi, mas como sabe em circunstâncias que tentaram evitar ou adiar o mais possível, mas que foi impossível fazê-lo.

O seu estilo de presidência, muito próximo das pessoas, quase dessacralizando o cargo que ocupa é muito diferente dos que o antecederam, mesmo de Mário Soares que ainda assim era mais expansivo que Ramalho Eanes, Jorge Sampaio e Cavaco Silva. Tem alguma figura histórica nacional ou internacional que o inspire enquanto agente político, Chefe de Estado?

Não, não. Eu sou eu, fui sempre assim, seria estranho que os portugueses, no dia seguinte à minha posse, encontrassem uma pessoa diferente da que conheciam na véspera. De vez em quando fazem paralelos dizendo: a tradição portuguesa é, mesmo antes da República, de um monarca que é sobretudo um monarca próximo do povo enquanto a chefia do governo é mais executiva. Outros dizem: não, é um paralelo com os primeiros Presidentes da República, da República parlamentar, que tinham um estilo muito terra-a-terra, andavam de elétrico, usavam transportes públicos, tinham uma vida diferente daquela que, mais tarde, veio a ser a vida do Chefe de Estado no comum das Repúblicas contemporâneas. Outros fazem o paralelo com o Presidente Mário Soares, pela extroversão, pela forma como ele realmente frequentava os círculos mais diversos. Eu penso que acaba por ser, ao fim e ao cabo, apenas a maneira de ser da pessoa, a pessoa é como é, e a pior coisa que pode fazer uma pessoa neste ou noutro cargo é não ser o que é. Acaba por não ser nem carne nem peixe, quer dizer, nem é aquilo que era, nem é aquilo que outros gostariam que ela fosse. É o que é. Gosta-se, não se gosta, o juízo virá no fim do mandato, faltam três anos e não sei quantos meses, à volta de sete meses, portanto daqui a três anos e sete meses, os portugueses quando olharem para trás dirão, olha teve coisas boas, teve coisas más, foi melhor ou pior do que pensava, veremos...

Na televisão, tem apenas tempo para ver noticiários ou - como Barack Obama que não perdia um episódio de House of Cards - tem alguma série com que se identifique, alguma coisa que não seja informação e que siga?

Devo dizer que sigo bastantes programas para além naturalmente dos meramente informativos, mas enfim, muito diversificados, programas de comentário político, programas de entretenimento. Séries menos, por uma razão muito simples, eu fico a trabalhar até muito tarde e não é muito funcional ver as séries rebobinando ou voltando atrás para as ver, mas tenho visto várias séries e algumas delas, aliás, políticas ou enfim de teor político, mas não sou um fanático desde que estou a exercer estas funções, por falta de tempo não sou um fanático de nenhuma série.

Já disse à SIC que só em 2020 tomará a decisão de se recandidatar à Presidência da República, e eu digo assim propositadamente porque, na verdade, só em circunstâncias muito anormais é que se poderia esperar que alguém que está na Presidência com gosto chega a 2021 e não queira ficar até 2026.

Não sei porquê, não sei porquê. As pessoas acham anormal porque se habituaram a essa realidade, porque os antecessores todos se recandidataram, mas não sei porquê. A candidatura é por cinco anos e portanto, eu já disse, no verão, por esta altura daqui a três anos, eu olharei para a realidade e pensarei assim: eu tenho um dever ético, um dever cívico, de me recandidatar ou não tenho? Porque eu candidatei-me por um dever ético-cívico, por entender naquelas circunstâncias que tinha de ser candidato, porque era aquele que estava em melhores condições para um contexto muito específico. Portanto, olhando para o contexto português da altura, verão de 2020, que é também feito de contexto internacional, mas sobretudo contexto português, eu tenho o dever estrito de me candidatar, candidato-me, não tenho o dever estrito de me candidatar, não me recandidato.

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