"Se os ingleses decidirem realizar um segundo referendo essa será uma escolha deles"

Neste sábado ficam a faltar seis meses para o Reino Unido sair da UE. As negociações estão num impasse. Já se fala num segundo referendo. Em entrevista ao DN, o negociador do Parlamento Europeu para o <em>brexit</em>, Guy Verhofstadt, avisa: "Um <em>brexit</em> abrupto (<em>hard brexit</em>) seria uma situação em que todos perderiam."
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Confessa que ainda se sente "dececionado" com o voto "do povo britânico para sair" da União Europeia. O coordenador do Parlamento Europeu para as negociações do brexit, Guy Verhofstadt, afirma que continua a ser preciso "respeitar o resultado do referendo" durante as negociações, para o melhor "acordo mútuo e benéfico", pois com uma saída abrupta "todos perderiam".

Em entrevista ao DN, Verhofstadt, ex-primeiro-ministro belga e líder do grupo de eurodeputados liberais no Parlamento Europeu, fala ainda da "luta entre populistas e nacionalistas" e das "alternativas pró-europeias" que, inevitavelmente, serão protagonistas no período pós-eleições europeias de 2019.

Ainda acredita num acordo para o brexit ou considera que depois da cimeira de Salzburgo as negociações foram definitivamente empurradas para uma situação de não acordo e consequente saída abrupta do Reino Unido da UE?
Acho que devemos continuar a trabalhar no duro para alcançar um acordo. Um brexit abrupto (hard brexit) seria uma situação em que todos perderiam.

Após a cimeira de Salzburgo, o espaço de manobra da primeira-ministra Theresa May para liderar as negociações, do lado britânico, é cada vez mais apertado. Seria mais fácil com uma nova liderança no Reino Unido? As negociações poderiam ser desbloqueadas?
Estamos a negociar com Theresa May e continuaremos a fazê-lo. A política britânica é, por vezes, difícil de acompanhar, mas é do interesse de todos que encontremos um acordo.

Então, não acha que seria melhor ter um não acordo do que um mau acordo?
Absolutamente não. Temos de obter o melhor resultado para os cidadãos da UE e os britânicos e garantir a estabilidade para os estrangeiros. No entanto, também é uma tarefa nossa assegurar que aplicamos as regras europeias. Por exemplo, é simplesmente impossível ter um mercado interno em que nem todas as quatro liberdades estejam interligadas. Não podemos falar de liberdade de circulação de mercadorias sem contemplarmos a liberdade de circulação para as pessoas.

Perante o resultado desastroso da cimeira de Salzburgo, May tem pedido para ser respeitada e para o Reino Unido ser respeitado, argumentando que o Reino Unido sempre respeitou a UE. Considera que, no contexto histórico da construção europeia, o Reino Unido pode ser reconhecido como um Estado membro que respeita a UE?
É muito importante que haja respeito mútuo - de ambos os lados. Tenho a sensação de que este tem sido o caso até agora. No entanto, muitos meios de comunicação, no Reino Unido, têm sido muito negativos sobre a UE nas últimas décadas. Isso certamente não ajudou a relação entre o Reino Unido e a UE. Muita desinformação tem sido alimentada perante os cidadãos britânicos nas últimas décadas.

Acredita na possibilidade de ter um novo referendo?
Isso é com os britânicos. A minha tarefa é negociar um bom acordo para limitar os danos. Estou muito dececionado porque o povo britânico votou para sair, mas temos de respeitar o resultado do referendo e continuar as nossas negociações. Se os ingleses decidirem realizar um segundo referendo, essa será uma escolha deles, não cabe a mim especular sobre essa possibilidade.

Um novo referendo seria do interesse de ambos os lados?
No fundo já respondi. Não cabe a mim especular sobre isso.

Acha que ainda é possível parar o brexit, ou já se foi longe demais?
Não cabe a mim especular, continuarei a trabalhar num acordo mútuo e benéfico.

Acha que a UE continua a ser sólida, apesar de estar prestes a perder um dos seus membros?
Absolutamente. E temos de provar ao resto dos europeus que a UE é a melhor solução para todas as questões individuais dos Estados membros, ficando mais fortes, mais unidos e incorporando novos membros nos próximos anos que procuram segurança, progresso económico e que respeitem os valores fundamentais da UE. A UE não é perfeita, mas é o melhor sistema que inventámos para unir o nosso continente. O desafio para a próxima década é refundá-la e torná-la melhor.

Tem a certeza de que o panorama resultante das eleições da UE não será um fertilizante para mensagens anti-UE?
A UE só pode trazer benefícios aos seus 500 milhões de cidadãos e agora, mais do que nunca, devemos defendê-la. Não só pelos benefícios do mercado único, liberdade de circulação, comércio e moeda comum. A Europa é uma comunidade de valores, de respeito, de tolerância, de cooperação, todos nós precisamos uns dos outros, não podemos deixar que os populismos e os nacionalismos quebrem a nossa comunidade.

Que cenários espera após as eleições europeias?
Numa Europa com [Viktor] Orbán e [Matteo] Salvini, no próximo ano haverá uma luta entre populistas e nacionalistas de um lado, e uma alternativa pró-europeia do outro, onde o grupo ALDE se estabelece. Queremos e vamos crescer, pois somos nós que defendemos o interesse dos cidadãos que acreditam numa governação democrática para as suas cidades, regiões e países e, acima de tudo, numa Europa unida e destemida.

As instituições da UE têm vindo a exercer pressão sobre o governo húngaro no sentido de o fazer alterar os seus procedimentos relativamente ao Estado de direito. Não receia que essa pressão em demasia sobre um Estado membro, com ameaça de sanções, possa virar a opinião pública contra o projeto da UE?
Definitivamente não. O populismo limita direitos e liberdades. A UE está prestes a abrir fronteiras, não a fechá-las. Trata-se de obter ajudas quando há catástrofes naturais, melhorar as condições de trabalho, é sobre saúde e segurança, é sobre algo tão básico como beber água limpa da torneira. Tudo isso é uma realidade no nosso dia-a-dia graças à UE e não podemos esquecer. Nenhum desses benefícios é concedido sem a UE.

Quão forte é a mensagem do Parlamento Europeu, após a recomendação contra a Hungria?
Não podemos aceitar nenhum governo que tente quebrar a UE e destruir os nossos valores fundamentais, impondo instabilidade e medo aos seus cidadãos. A UE tem regras que os Estados membros devem seguir, não há outra opção. Há um compromisso de ambos os lados e quem não respeita tem de enfrentar as consequências.

Acha possível que a sanção venha a ser executada. A recomendação do Parlamento Europeu seria suficiente para causar o efeito desejado?
Nós acreditamos que sim. O Parlamento Europeu foi suficientemente claro quando votámos neste mês em plenário. Agora é a vez de o Conselho [Europeu] executar a nossa vontade como representantes de todos os cidadãos da UE e proteger o povo húngaro.

Se os Estados membros não tirarem consequências, uma leitura possível é a de que os países são convidados a usufruir dos benefícios da UE sem seguir as regras...
Isso é exatamente o que não queremos. E é por isso que também deixamos muito claro durante as negociações com o Reino Unido que eles não podem ter o bolo e comê-lo.

Alguns primeiros-ministros já apontaram a necessidade de pragmatismo na avaliação da recomendação contra a Hungria. Do seu ponto de vista, o que é que isso poderá significar?
Tem de perguntar a eles...

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