Se não os podes vencer, junta-te a eles?

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Em poucas palavras, André Ventura fez a síntese da semana: Montenegro "já diz o que eu digo [...]. Estamos no bom caminho para formar um governo".

Não é para menos. Defender que a imigração deve vir de "comunidades que possam interagir melhor connosco, que se possam integrar melhor na nossa cultura, na nossa identidade" é algo que esperaríamos ouvir de André Ventura, não do líder do PSD. Quem são, para Luís Montenegro, as comunidades que não podem interagir tão bem connosco?

Apesar de causar desconforto nos poucos no PSD que ainda são ideologicamente social-democratas - aqueles que se indignaram com as tiradas xenófobas - este ataque aos imigrantes, infelizmente, não foi apenas uma gafe ou tirada infeliz no calor do debate. Pelo contrário, está a ser repetida pelos principais responsáveis do PSD.

Ainda há poucos dias, reagindo à morte de dois imigrantes num incêndio em Lisboa, Carlos Moedas escolheu dirigir as baterias contra política de imigração.

Há duas semanas, no Parlamento Europeu, também Paulo Rangel interveio para apoiar a deriva securitária do Partido Popular Europeu (integrado pelo PSD), defendendo "fronteiras mais fortes" num debate em que o seu grupo político defendia a utilização de fundos europeus para construir muros na UE para travar migrantes.

Consciente de como é socialmente perigoso (e moralmente reprovável) agitar as águas da discriminação e estimular a xenofobia, o Presidente da República criticou duramente Moedas e Montenegro, advertindo contra a aproximação do PSD ao Chega.

A repreensão do Presidente poderá fazer o PSD refrear o discurso sobre os imigrantes, mas a estratégia está já claramente em curso. Há um ditado popular que nos ajuda a compreender a situação: se não os podes vencer, junta-te a eles.

Outro exemplo: para criticar a Agenda do Trabalho Digno, que assegura mais direitos aos trabalhadores, particularmente os mais jovens, Montenegro não se lembrou de outra coisa que não o ataque aos desempregados. De forma enfática (até no estilo começa a imitar Ventura), disse ser "imoral" (também as palavras escolhidas são cada vez mais semelhantes) uma pessoa empregada ganhar menos do que pessoas "que não fazem esse esforço". Como se não fossem pessoas que já descontaram para a Segurança Social e que têm direito a usufruir de apoio quando perdem o seu trabalho.

Não há como não ver: o PSD está a tentar ocupar o espaço político do Chega para tentar travar a hemorragia de votos que está a sofrer. O seu problema é que, como alertou o Presidente Marcelo, "a cópia perde sempre para o original".

O nosso problema é que, ao abandonar os seus valores, perde a democracia e perdemos todos nós. Não me querendo imiscuir na política interna de qualquer outro partido, ocorre-me a seguinte interrogação: não era altura para os moderados no PSD dizerem chega?

Não há como ignorar as conclusões do relatório da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica. Aos milhares de vítimas que tiveram a sua vida destruída, o mínimo que podemos oferecer é tolerância zero com os crimes cometidos e compromisso máximo para garantir que tudo será feito de forma a impedir que tais circunstâncias se repitam.

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