Se não formos nós, quem será?
Jorge Faurie fala sempre depressa. Dá ordens, despacha, confronta, decide. Parece estar sempre com pressa - e provavelmente está.
Afinal, ao Ministro dos Negócios Estrangeiros da Argentina é permanentemente exigida a posição oficial da segunda maior economia da América do Sul, sobre temas que vão desde as negociações com o FMI ao atual estado da relação bilateral com Caracas.
Quem está do outro lado pode ainda querer discutir as conclusões da Cimeira do G20, que Faurie organizou no final de 2018, ou os avanços da Segunda Conferência de Alto Nível sobre Cooperação Sul-Sul (BAPA+40), das Nações Unidas, que decorreu no passado mês de março, em Buenos Aires.
Mas quando, no último dia desta Conferência, Jorge Faurie se sentou com Albert Muchanga, chefe da Delegação da União Africana à BAPA+40, a conversa demorou perto de uma hora.
É que, entre outros assuntos, em cima da mesa estava um assunto que poderá vir a transformar todo o cenário das relações económicas no Atlântico Sul, constituindo uma das maiores oportunidades comerciais das últimas décadas: um potencial acordo de cooperação entre o Mercosul e o Mercado Único Africano - que entrará em vigor já em julho deste ano e que será o maior acordo de comércio livre no continente, em termos de participação e consenso, desde o estabelecimento da OMC.
O fortalecimento das relações entre América Latina e África está a acontecer. Com ou sem a Europa, ou com ou sem Portugal.
Curiosamente, no nosso país, Jorge Faurie está longe de ser um desconhecido. Tendo serviço como embaixador em Lisboa, durante onze anos, o atual Ministro fez aqui inúmeras amizades. E foi durante a sua missão em território luso que o Instituto para a Promoção da América Latina e Caraíbas (IPDAL) contou com o seu apoio para a realização do então I Encontro "Triângulo Estratégico: América Latina - Europa - África".
Este ano, o IPDAL celebra a oitava edição da iniciativa, que já constitui a principal plataforma de diálogo político e empresarial sobre o Atlântico, em Portugal. A relevância do Encontro é reconhecida pelo próprio Secretário-Geral das Nações Unidas, que assinala a sua participação no "Triângulo" através de uma mensagem vídeo, e pela presença de María Ángela Holguín - anterior Ministra dos Negócios Estrangeiros da Colômbia e peça-chave no processo de paz com as FARC. Holguín é uma decana das relações diplomáticas na América Latina, tendo sido representante permanente junto das Nações Unidas e Embaixadora em Caracas, uma das capitais mais importantes para a política exterior - e doméstica - da Colômbia.
O IPDAL tem consciência de que o VIII Encontro "Triângulo Estratégico" se realiza num contexto internacional de escalada de tensão entre grandes potências globais, mas também regionais. Neste ambiente, a mensagem de paz, diálogo e cooperação - que se encontra implícita e explícita no trabalho de ministros como Faurie ou Holguín - representa o compromisso e o dever que temos de ultrapassar, em conjunto, as crises institucionais e socioeconómicas que hoje enfrentam vários continentes, nomeadamente a Europa e a América.
A aposta nos esforços multilaterais, como demonstram as cimeiras de Buenos Aires, ou o processo de paz colombiano, onde Cuba desempenhou um papel insubstituível, inspira o IPDAL a reunir especialistas dos três continentes para debater, este ano, temas como as migrações, a igualdade de género ou a transferência de conhecimento.
Reconheçamos que o trabalho realizado por tantos e tão relevantes atores internacionais estabelece autênticos precedentes para o nosso futuro coletivo e façamos o esforço de manter Portugal como o centro estratégico para estas discussões.
O fortalecimento das relações entre América Latina e África está a construir-se. Ajudemos a que seja também com a Europa. Trabalhemos para que seja, definitivamente, com Portugal.