"Se não fecha a boca, metemos-lhe um saco na cabeça": a ameaça dos russos a Lydia
Durante as primeiras três semanas de conflito, esta mulher viveu com outras 12 pessoas escondidas numa cave. Passaram "muito frio, havia pouca comida". Não tinham pão e sobravam "algumas conservas". Foi quando a casa da família e o celeiro onde ficava a cave foram bombardeados, fazendo "o cimento e os tijolos" caírem, que decidiram abandonar a aldeia. Ficaram "cobertos de pó vermelho e com a boca cheia de areia".
Lydia Stefanivna foi forçada a mudar-se para Stanislav, uma aldeia a 3 km de onde estava. Ainda era primavera, mas com aproximar do inverno, pediu ao exército russo que a deixasse voltar a casa. Do outro lado, a resposta e a intenção dos homens de Putin era clara: "Vamos libertá-los quando morrer o último Khokhol (termo depreciativo usado pelos russos para se referirem aos ucranianos)."
Calejada pelo trabalho no campo, Lydia respondeu-lhes com a sua verdade: "Ouçam, esta é a nossa terra. E a vossa terra está na Rússia." Caiu mal aos soldados, que passaram a ameaçá-la: "Se não fecha a boca, metemos-lhe um saco na cabeça e vamos levá-la daqui para fora."
Impedida de regressar a casa, a mulher acabou por ter de viver da ajuda dada pelos ocupantes: "Não teria aceitado, mas não tinha dinheiro e - perdoem-me - temos de sobreviver", conta em lágrimas. Com os campos ainda minados, Lydia vive agora, como quase todos na aldeia, da ajuda humanitária dada pelo Ocidente.
"Não estamos a morrer de fome. Obrigado a todos os países que nos ajudam a sobreviver. Deram-nos almofadas, cobertores e garrafas térmicas. Eu só queria que eles não nos continuassem a bombardear", confessa.
Durante a ocupação, conta Lydia, a ementa pouco variou: quase sempre batatas com sal. Isto, "se elas não saíssem", porque os nervos "eram tantos que tinha espasmos no estômago". De tal forma que, garante, perdeu 20 quilos em menos de oito meses.
Agora já não há russos na aldeia, mas o marido de Lydia tem marcas desse passado recente. Um dia, num campo de feno, "caiu uma granada de morteiro perto dele". Ficou "muito atordoado", mas não só: "Ainda não consegue ouvir."
Nela, as marcas são diferentes. O stress que enfrentou, e ainda enfrenta, impedem-na de dormir à noite. A casa a que regressou não tem água, eletricidade, nem gás. O interior está vazio. "Foi tudo roubado, tudo o que ganhámos em 45 anos", lamenta, "levaram tudo. E o que não foi roubado, foi destruído."
A casa, essa, continua por arranjar e não será fácil aceder aos apoios para a reconstrução: "Não tivemos tempo de levar os documentos. Não tenho caderneta predial da casa. Eles deitaram tudo fora, o que não deitaram, apodreceu na lama quando o telhado caiu." Ainda assim, Lydia garante que está feliz: "Pelo menos estamos vivos."
Na despedida, perguntamos o que é feito das outras 12 pessoas com quem partilhou aquela cave: o marido ainda está na aldeia, todos os outros partiram. O neto mais novo, de nove anos, está com a mãe na Áustria. Uma outra filha de Lydia está com a família na República Checa. "Voaram todos para fora do ninho", algo que, confessa, "nunca" pensou ver na sua velhice.
O neto mais velho "foi recentemente, como voluntário, para a frente de combate".
rui.polonio@tsf.pt