"Se não der o salto, o CDS vai tornar-se o partido do poucos mas bons"
O vice-presidente do CDS e ex-secretário de Estado do Turismo acredita que tem a oportunidade histórica de ser a "principal alternativa ao PS"
Paulo Portas saiu na altura certa?
Não sei se é oportuno avaliar a bondade ou a justeza da decisão. O que interessa é que a decisão foi tomada e o CDS tem de decidir o que fazer com ela. A decisão coincide com um novo ciclo político que evidencia algumas mudanças que podem ser uma oportunidade histórica para o CDS.
E que mudanças destaca?
Em primeiro lugar, os eleitores parecem hoje dar mais importância às propostas e aos rostos do que aos partidos, o que oferece novas possibilidades ao CDS. Em segundo lugar, a mitigação do voto útil. Se o vencedor das eleições já não tem necessariamente de governar, o CDS pode competir lealmente com o PSD em busca de uma maioria, mesmo que nenhum dos partidos seja o mais votado. Em terceiro lugar, a recusa de propostas mais irrealistas e facilitistas, que não ganharam eleições, abre espaço a propostas reformistas e responsáveis pelo CDS. Por fim, temos um quadro parlamentar muito ideologizado, em que a esquerda só consegue unir-se em discussões ideológicas, que usa em abundância, e que oferece ao CDS a possibilidade de ser diferente: enquanto uns se entretêm na retórica, o CDS pode destacar-se nas propostas.
Mas a radicalização ideológica do discurso foi até mais partilhada pelo PSD e pelo CDS...
Esse tipo de discurso não pode continuar a ser usado para tudo. Os aspetos que referi abrem possibilidades que permitem ao CDS, se fizer as escolhas certas, se souber renovar-se, se optar pela sensatez, ser a primeira e descomplexada escolha do centro e do centro-direita, ser a principal alternativa ao PS, que é como eu o vejo.
Isso significa que o CDS pode ocupar o lugar do PSD?
Não sei se as pessoas já perceberam o alcance, para o CDS, de se ter quebrado a regra de que só governa o partido que for mais votado... O CDS deve aproveitar uma maior dificuldade de renovação e atualização do PSD e surgir como a novidade que as pessoas precisam.
E como pode o CDS ocupar esse espaço político?
Assumindo-se como o partido do reformismo sensato. O partido que quer mudar o que há a mudar, com sensatez, com método, com pragmatismo e não por imposição externa ou ideológica. Assumindo-se como o partido do quotidiano, que centra o seu discurso nas preocupações diárias das pessoas e não em abstrações ideológicas, que é para onde a esquerda quer levar o debate.
Com que ideias em concreto o CDS se pode descolar destes anos de coligação com o PSD e que tipo de eleitores pode atrair?
O CDS tem de se focar no eleitorado que tem na liberdade o seu valor primeiro. Que acredita na liberdade de escolha, na cultura do esforço e do mérito, que se preocupa com a igualdade de oportunidades, que quer que o Estado lhe dê espaço para encontrar o seu projeto de vida e o seu projeto de felicidade, que acredita na livre concorrência, no setor privado como motor do crescimento, na captação do investimento, na cultura e na abertura ao mundo, que pretende um Estado justo, mas limitado, capaz de chegar, de facto, em condições a quem dele precisa, um Estado que não lhe diz como viver. É para este eleitorado que o CDS tem de falar.
Esse não é o eleitorado de direita?
Não estou preocupado em categorizar. Estou a identificar valores como a liberdade de escolha, a liberdade de iniciativa, o setor privado como motor de desenvolvimento, a cultura de esforço, de mérito, a livre concorrência.
Mas a ideologia não importa?
Estes valores não são neutros ideologicamente. É por isso que não sou socialista. Digo é que as pessoas estão mais preocupadas com as propostas que advêm desses valores do que propriamente em categorizá-las ideologicamente.
O que é que isso significa?
Em vez de o CDS estar a discutir se devemos posicionar-nos ao centro, à esquerda ou à direita, deve antes gastar o seu tempo a responder às perguntas dos portugueses: como subir na vida, como encontrar ou criar emprego, como preparar as novas gerações para a concorrência global, como ter reforma e acesso a cuidados de saúde, como captar investimento, como potenciar o conhecimento, como aceder à cultura, como construir o nosso projeto de vida e de felicidade, como assegurar uma rede de segurança para os mais necessitados, como garantir igualdade de oportunidades...
Estes anos de coligação com o PSD levaram o CDS a perder o seu eleitorado tradicional?
O CDS assumiu sempre, tal como o PSD, que o nosso projeto era para duas legislaturas. Na primeira, resgatar o país, tirar a troika, terminar o programa de assistência. Num segundo mandato, começar a sentir os benefícios das reformas estruturais, densificar esse trabalho. O projeto foi interrompido a meio. O CDS não tem motivos para ter vergonha da governação que fez. Mas tem noção de que o seu trabalho está incompleto, foi interrompido.
Como vai o CDS fazer tudo isso sem Paulo Portas? O partido estava preparado para esta sucessão nesta altura?
Fazendo. Temos uma geração de dirigentes preparada, com conhecimento da administração pública, conhecedora do país, capaz de responder aos desafios que atravessamos e de responder à enorme vontade de mudança por parte do eleitorado. Mas essa vontade de mudança exige renovação da nossa parte.
Para isso, o perfil do novo líder deve ser distinto do de Portas?
Escrevi, nesta semana, um artigo em que digo que o CDS não precisa de um "portismo desnatado". Houve quem achasse que eu estava a fazer uma crítica à liderança de Paulo Portas. Nada disso. Não podemos é ambicionar ter o mesmo estilo de liderança sem o líder que a inspirava. Por outro lado, penso que os desafios com que Paulo Portas se foi deparando, e que foi vencendo, são diferentes dos desafios que temos agora pela frente. É por isso que se justifica renovar e mudar.
Mas há que mudar o partido que existe com Paulo Portas?
Há que dar o salto, o mesmo salto que Paulo Portas deu em 1998. Se o CDS quer ser a alternativa ao PS, o maior partido da direita e do centro, tem de crescer. E se tem de crescer tem de se abrir, deixar de ter a visão romântica do partido do poucos mas bons.
Deixar de ser democrata-cristão? Há quem o critique por ser demasiado liberal...
Não vejo utilidade no CDS pequeno, homogéneo, todo ordenado em função de uma ideologia, visto como um partido em que só se pode votar se se concordar com uma cartilha, um partido mascote que se descarta em nome do pragmatismo. Nenhum partido cresce se passar a vida a selecionar quem é que tem pureza suficiente para lá entrar.
Mas isso aconteceu?
É uma linha política legítima, mas não é a minha. Respeito aqueles que querem um CDS bastião de valores, mas penso que isso não é um partido político que deseja governar a realidade e reformar Portugal, é um clube de ideias.
Vê Nuno Melo, Assunção Cristas, ou ainda outro possível candidato a adequar-se a este perfil?
Temos ainda de ouvir o que é que cada candidato, a existir, defende para o partido.
Nuno Melo ou Assunção Cristas?
Assunção Cristas tem um espírito pragmático e sensato assinalável. Nuno Melo tem um sentido político preciso e uma combatividade invulgar. Espero que o partido continue a contar com os dois porque os dois fazem muita falta.
Não tem a sua escolha feita, portanto...
Exato. Já defini aquilo que é para mim importante, agora vamos ver se algum corresponde à minha análise.
Admite candidatar-se?
Se neste momento da minha vida quisesse ter um compromisso profissional com a política, teria aceitado o convite para ser candidato à Assembleia da República.
Que avaliação pode fazer do governo PS, neste momento?
Enquanto o PS não apresentar o seu Orçamento do Estado não estou habilitado a responder-lhe. Até agora sucedem-se anúncios de reposições e revogações sem que uma conta seja apresentada.
Continua a achar, como o CDS e o PSD, que este governo é "politicamente ilegítimo"?
O método através do qual o secretário-geral do PS chegou ao governo deve ser-lhe lembrado de quando em vez. Mas apenas isso. Sou muito pragmático. É o XXI Governo Constitucional, está em funções, está a decidir, há que fazer oposição ao que está a decidir.
O que mais receia neste governo?
Portugal teve na sua história democrática três resgates. Isto diz alguma coisa sobre a forma como nos temos andado a governar e sobre o modelo de desenvolvimento que temos seguido, que eu classifico como socialista. O que temo é que o PS não tenha feito qualquer juízo crítico relativamente a esta circunstância, não tenha feito qualquer avaliação sobre os efeitos das políticas socialistas e, em nome da ideologia mas com falta de sensatez e de pragmatismo, não vá ser um governo reformista como Portugal precisa e que nos faça recuar.
O PSD deu a mão ao PS no Retifica-tivo. Como julga essa posição?
Em relação ao que o CDS fez [votar contra], quer João Almeida quer Cecília Meireles representaram muito bem aquilo que estou a defender para o CDS. Conseguiram explicar, sem devaneios ideológicos, com sensatez e pragmatismo, as razões por que não estávamos de acordo com a solução que o governo do PS apresentou. O PSD fez outra avaliação e é livre para o fazer.
E o CDS convive bem com outros futuros casos em que o PSD dá a mão ao PS?
Se isso suceder, o PS terá de assumir ao país que os pressupostos pelos quais chegou ao governo e que a maioria que anunciou que tinha para poder afastar os vencedores das eleições se desfizeram.
O CDS pode vir a dar a mão ao PS ou, por princípio, nunca apoiará o governo?
Temos sempre de ver se a legislação em causa é uma legislação que permita concluir que o governo perdeu a sua maioria para governar. Será um juízo caso a caso sobre o mérito das propostas, sim, mas também um juízo político sobre a consistência dessa maioria.
Quando diz que o CDS tem de se abrir, cativar mais eleitorado, vê afinidade com a estratégia da Frente Nacional (FN), de Marine le Pen, em França?
A forma como a FN olha para o mundo é muito diferente da minha. Eu olho para o mundo, para a mudança, para o desconhecido, para o estrangeiro, com abertura. Acredito numa sociedade aberta, com liberdades de circulação. É disso que se faz uma economia pujante e competitiva. A FN é um partido que rejeita a abertura, fecha fronteiras, impõe barreiras alfandegárias, desconfia da inovação e da novidade. Penso que esta é uma distinção muito útil politicamente: os que encaram a mudança com abertura e os que a encaram com receio.
Que reformas tem o CDS neste momento como prioritárias?
O congresso do CDS tem de as definir e passam, do meu ponto de vista, pela resposta às perguntas que há pouco referi. Parece-me, no entanto, essencial que o CDS vá ouvir os não-militantes, trazê-los para fazer essa reflexão. O país não vive no Largo no Caldas nem no devaneio ideológico que se vive no Parlamento neste momento. O que as semanas de governo apontam é uma evidente necessidade de olhar para a educação. Este governo está longe de valorizar a cultura do esforço e do mérito que nós consideramos importante para que as novas gerações consigam competir num mundo global.
Quais devem ser as bandeiras do combate político do CDS?
A condução económica do governo socialista, que não parece privilegiar o setor privado nem as exportações. Outra vez o investimento público e o consumo. O CDS deve apresentar propostas concretas que demonstrem como é possível trazer mais investimento e criar mais emprego em alternativa à política socialista, que já foi testada durante muitos anos.
Porque acha que o candidato Marcelo Rebelo de Sousa, apoiado pelo PSD e pelo CDS, não quer dizer que é o candidato da direita? É mera estratégia eleitoral ou há preconceito em ser de direita?
Se um Presidente da República quer ser o Presidente de todos os portugueses, é natural que procure, respeitando um quadro ideológico que é o seu, representar todos os portugueses. Também acho mau que os candidatos apoiados pela esquerda digam que são os candidatos da esquerda. Significa que não vão ser presidentes dos portugueses que não votaram neles? Não gostaria de ter um Presidente que fosse vinculado a partidos.