Se não agirmos já, não vai ficar tudo bem

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Os dados do último inquérito que divulgámos em maio não enganam. Comparando com o Barómetro DECO PROTESTE, de dezembro de 2019, o crescimento das dificuldades das famílias é notório. Um retrato preocupante é o que fica do resumo das conclusões, feito pela nossa organização:

"Despesas com alimentação e pagamento da renda ou prestação da casa são as mais sensíveis. Também as contas da água, da eletricidade e do gás pesam. Num terço dos casos, usaram-se as economias para enfrentar as despesas. E outro terço antevê a necessidade de o vir a fazer. Uma em quatro famílias viu-se forçada a pedir auxílio financeiro. As principais necessidades prendem-se com ajuda alimentar, assistência à família (para ficar em casa com filhos até aos 12 anos), apoios financeiros (a trabalhadores independentes, por exemplo), adiamento do pagamento das contas da água, luz, gás e telecomunicações, ou de impostos, e ainda com a suspensão ou o adiamento do pagamento da renda, da prestação da casa ou de outros empréstimos".

Todos os dias nos chegam os sinais da angústia dos consumidores. Entre março e abril, o número dos que nos procuraram a pedir algum tipo de apoio disparou. Foram mais 40 por cento de chamadas, se olharmos para o mesmo período de 2019. E em maio, foram ainda mais 20 por cento. Registámos, ao todo, 83 mil chamadas nestes três meses. Paralelamente, na nossa Linha do Investimento houve também mais 30 por cento de telefonemas de consumidores.

Deste panorama sombrio, ressaltam algumas dúvidas maiores, relacionadas com lay-off, com moratórias de crédito à habitação e de rendas, com pagamento da mensalidade das creches, com poupanças e investimentos, com a possibilidade de resgatar aplicações para compensar perdas de rendimento, e depois, ainda, com o cancelamento de viagens e de espetáculos.

Isto é, não há como dizê-lo de forma suave: a pandemia trouxe muitas dificuldades às famílias portuguesas, e tudo indica que estes efeitos se vão prolongar no tempo. A circunstância de tradicionalmente as famílias portuguesas estarem alavancadas em excesso no crédito, frequentemente com taxas de esforço insustentáveis, só reforça os tons de negro no presente e no horizonte. Neste início de julho, não é, pois, nada evidente que vá ficar tudo bem.

Mais exatamente, diz o economista Ricardo Paes Mamede em entrevista recente à nossa revista PROTESTE, a propósito do impacto nos orçamentos familiares desta crise sanitária, que se tornou igualmente económica, que, sendo a sociedade portuguesa "muito desigual", os indicadores "sugerem que os mais penalizados pela perda de emprego e pela quebra de rendimentos são segmentos da população que eram já mais desfavorecidos, sobretudo trabalhadores com contratos precários e do setor informal".

Mais: "Teremos várias centenas de milhares de pessoas a enfrentarem situações financeiras difíceis. Prevê-se uma taxa de desemprego de 10 por cento. E não é de excluir que a taxa seja superior".

Num cenário destes, o consumo e o investimento caem inevitavelmente a pique, gerando-se um efeito circular e de bola de neve que empurra as famílias para mais dificuldades, e as dificuldades das famílias empurram a economia para uma crise mais séria.

Paes Mamede defende que o combate ao desemprego "tem de passar pela intervenção pública, através do investimento em atividades intensivas em mão-de-obra, e por apoios seletivos e condicionais a alguns setores e empresas" - e nós concordamos em absoluto com a opinião do economista.

Se há momento de ter visão e capacidade de agir rápida e determinadamente, é agora. A Europa encaminha-se para manifestar, em euros, a solidariedade possível num espaço com tantos interesses e pontos de vista diferentes. Que os efeitos se sintam por cá, naquilo que de concreto (não apenas em palavras) chega às famílias - e às empresas, que são feitas de famílias, não o esqueçamos -, é o que desejamos. Caso contrário, vai mesmo ficar tudo mal.

Responsável pelas Relações Institucionais da DECO PROTESTE

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