"Se Jerónimo e Catarina estivessem na minha função, iam tão longe como temos ido"

Costa fala do estado de saúde da geringonça e lembra que nunca pisará o risco de quebrar os compromissos sobre redução do défice
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Senhor primeiro-ministro, as cativações foram um dos segredos para conseguir cumprir as metas orçamentais acordadas com Bruxelas. Nesta matéria afigura-se uma coligação negativa entre a esquerda que dá apoio parlamentar ao governo do Partido Socialista e a direita para diminuir a margem de manobra do Governo. Pode estar aí um ponto de tensão entre o Governo e o PCP e o Bloco de Esquerda?

Eu acho que o debate sobre as cativações resulta de uma incompreensão do que é o Orçamento. O Orçamento é uma autorização máxima de despesa que o Parlamento nos dá assente numa previsão de receita. O Orçamento não é um limiar mínimo de despesa a realizar com base em qualquer tipo de receita.

Os partidos que apoiam o Governo no Parlamento também sabem disso e têm criticado aquilo que consideram ser um excesso de cativação.

Todos sabem disso e todos sabem também como as cativações sempre existiram e sempre terão de existir, com esse nome ou com qualquer outro. Por uma razão muito simples: nós temos um quadro de despesa autorizado com base na previsão da receita. A receita vai-se confirmando ou não ao longo do ano, há anos em que se prevê que vamos receber x e recebemos -x, temos de gastar menos do que tínhamos previsto sob pena de aumentar o défice; há anos em que felizmente recebemos mais do que o previsto e podemos - até ao limite da despesa autorizada -, prosseguir na execução da despesa.

E há anos como o que passou em que conseguimos um défice inferior àquele que estava previsto.

Este ano, 2017, por exemplo, em que a economia tem estado a crescer sustentadamente, em que a receita tem estado a crescer sustentadamente, já temos nesta fase mais 700 milhões de euros descativados do que tínhamos no ano passado. Agora, aquilo que nós temos de garantir é que quando chegarmos ao dia 31 de dezembro, e aí já não há margem nem para aumentar a receita nem para cortar a despesa que já foi feita, cumpriremos a meta orçamental que tínhamos previsto.

A crítica que lhe faziam o PCP e o Bloco era de em 2016 ter ido longe demais no sentido em que acabou por ter um défice melhor do que aquilo a que estava obrigado e, portanto, isso significa que fez cativações excessivas.

Se for verificar, retirando as medidas extraordinárias que foram adotadas do lado da receita, nós devemos ter ficado umas centésimas abaixo do limite orçamental que nos tínhamos proposto no Orçamento que era de 2,2. Não ficámos muito longe do objetivo se descontarmos as medidas extraordinárias. O máximo que podemos dizer é que as medidas extraordinárias poderiam não ter sido necessárias se tivéssemos a certeza de que o resultado final era aquele. Agora, mais vale andar sempre do lado da prudência do que do lado da imprudência, porque é assim que damos confiança para podermos continuar a avançar no programa que temos. O maior perigo que poderia existir era introduzir-se nos mercados internacionais, nas nossas relações com a União Europeia, nos investidores nacionais, uma desconfiança relativamente ao futuro.

Se a população ativa está a aumentar como está a aumentar é porque os portugueses voltaram a acreditar e a ter confiança em que vale a pena procurar emprego porque pode ser que tenham emprego. Se este ano temos mais alunos no Ensino Superior é porque as famílias voltaram a acreditar que vale a pena os seus filhos estudarem e voltaram a ter capacidade para os seus filhos poderem ir estudar. Se temos mais investimento por parte dos empresários é porque eles acreditam no futuro da nossa economia. Se 91% dos novos contratos dão contratos sem termo é porque os empresários acreditam que estas contratações vão ser duradouras e que não vão estar a ser confrontados brevemente com a necessidade de prescindirem do seu pessoal.

Portanto, o fator da confiança é essencial. Se queremos diminuir os custos da nossa dívida temos de continuar a trabalhar não só para melhorar o outlook das agências de rating como para podermos obter uma revisão da notação do nosso rating. Porque essa notação far-nos-á poupar seguramente muitos milhares de milhões de euros de juros que podem e devem ser canalizados para aquilo que é fundamental, apoiar a economia, investir na melhoria da qualidade dos nossos serviços públicos. Eu recordo que nós chegámos a gastar mais em juros do que gastámos no Serviço Nacional de Saúde, isso é algo que nós temos de mudar e a forma de mudar é conseguirmos reduzir sustentadamente a nossa taxa de juros, os nosso custos de financiamento para podermos realocar esses recursos áquilo onde é prioritário realocar.

Eu digo aqui que nós iremos sempre tão longe quanto possível, mas nunca ultrapassaremos o risco de quebrar os nossos compromissos em matéria de redução do défice.

É isso que tem de explicar permanentemente aos seus parceiros parlamentares?

Eu não preciso de explicar aquilo que eles também já sabem.

Eles fazem uma outra crítica, que é uma necessidade de um maior em duas áreas essenciais, a educação e a saúde, onde há necessidade de investir em infraestruturas, em escolas - continua a haver escolas com necessidades, ainda hoje no dia em que gravamos esta entrevista há notícia de mais escolas em que o ano letivo arranca e que precisam de obras -, igualmente para a saúde onde aumentaram as listas de espera para cirurgias, tendo aumentado, pelo lado positivo os atendimentos e as consultas. Vai haver um aumento de investimento nestas duas áreas que são cruciais e onde o PCP e o Bloco reclamam maior investimento?

Em primeiro lugar, não são críticas. É uma coincidência de posições, é o que está, aliás, no programa do Governo, aumentar o investimento na saúde e na educação. É isso que tem acontecido nos Orçamentos de 2016, 2017 e 2018. Já referi há pouco os vários investimentos na área da saúde. Nas escolas, depois de anos em que foram bloqueados os investimentos nas escolas, temos mais de 200 escolas em obras em parceria com as autarquias locais, temos mais um conjunto de obras a serem lançadas diretamente pelo Estado, no Conservatório Nacional, na nova escola do Parque das Nações, imensas escolas que o anterior Parque Escolar tinha descontinuado e que foram agora retomadas. Chamo a atenção de que no ano passado criámos 100 novas salas no ensino pré-escolar, este ano estamos a criar 70 novas salas no ensino pré-escolar. Temos andado a reforçar muito o investimento no ensino profissional, este ano abrem 400 novas turmas no ensino profissional o que abrange 10 000 novos alunos no ensino profissional. Ainda esta semana o Diário de Notícias chamava a atenção para o elevado número de alunos que têm abandonado o Ensino Secundário precocemente, a valorização do ensino profissional é uma forma importante e essencial para travar esse abandono escolar precoce e retomarmos perspetivas de futuro para esses jovens.

Esse aumento do investimento está a existir e, portanto, não é crítica, há um total alinhamento de políticas. Se me disser que o PCP e o Bloco gostavam que fossemos ainda mais longe eu digo-lhe que também eu gostava. Agora, tenho a certeza de que se o Jerónimo de Sousa ou a Catarina Martins estivessem aqui na minha função porventura iriam tão longe quanto aquilo que nós temos ido, com a mesma ambição que temos de continuarmos a trabalhar de forma sustentada, em conjunto, para melhorar o SNS e a escola pública como temos feito nestes dois anos.

Por falar em ir tão longe quanto possível, há uma pressão contínua para reverter parte das medidas que foram aplicadas durante os anos do ajustamento, os anos da troika, para lá do reforço da contratação coletiva de que já falou, admite rever algumas das medidas que foram adotadas nessa altura?

A generalidade delas têm vindo a ser revistas, os cortes dos salários foram totalmente revistos, os cortes de pensões foram revistos, os cortes das prestações sociais foram revistos, o brutal aumento de impostos foi revisto. Em matéria de legislação laboral o nosso programa do Governo é muito claro sobre o que pretendemos fazer e este ano avançaremos com duas medidas muito importantes, uma que tem a ver com o contrato-geração, de forma a termos mais um instrumento de promoção do emprego jovem, a permitir complementar a medida que adotámos com a possibilidade das reformas antecipadas das longas carreiras contributivas com uma saída suave e progressiva do mercado de trabalho de pessoas com carreiras mais longas, permitindo, aliás, a transição geracional nas empresas de uma forma menos traumática, pelo contrário, permitindo às novas gerações beneficiar muito do saber-fazer das gerações mais experientes que são um grande fator de integração no mercado de trabalho. Segunda medida: depois do programa de combate à precariedade na administração pública, agora é a legislação sobre a precariedade no setor privado e, designadamente, com a diferenciação da taxa social única em função do tipo de contrato que é assinado, sem termo ou com termo.

Conta avançar proximamente para a diversificação das fontes de financiamento da Segurança Social ou é algo que não está em cima da mesa?

Já demos um passo importante com o adicional do IMI e temos de continuar a progredir nesse sentido. Todos temos consciência de que para além da trajetória demográfica, as alterações do paradigma das relações laborais introduzidas pela automação exigem que a Segurança Social no futuro não possa assentar só no volume da massa salarial e tenha de ter outras formas de contribuição. Se isso se faz através da consignação de uma parcela do IRC, se através de uma parcela do valor acrescentado... há várias formas, mas temos de prosseguir nessa diversificação que é essencial para termos um futuro da nossa Segurança Social mais robusto.

Já falta pouco para cumprir na totalidade os acordos que o Partido Socialista assinou com o Bloco, com o PCP, com os Verdes, entre o que falta há algumas medidas importantes, como a de que estávamos a falar agora sobre a diversificação de fontes de financiamento, a redução da TSU para trabalhadores com salário bruto até 600 euros, mas pergunta é se em metade da legislatura cumpriu quase 90% desses acordos, como é que vai fazer a gestão política nos próximos dois anos, é necessária uma revisão desses acordos para dar uma nova dinâmica à aliança parlamentar?

Há tanta coisa para fazermos em conjunto e para continuarmos a fazer. Cumprimos integralmente uma fase essencial que era a reversão das medidas que o Governo anterior tinha implementado em matéria de cortes de rendimento, mas temos tanto que fazer ainda, na melhoria da qualidade dos serviços públicos, na melhoria do investimento, em dotar o país de uma visão estratégica que consolide um modelo de desenvolvimento que não procure o empobrecimento coletivo, os baixos salários e a destruição de direitos, mas pelo contrário aposte naquilo que é fundamental que é a qualificação, a inovação, a valorização dos nossos recursos. O que temos de fazer para continuar a reduzir o desemprego, a aumentar a produção nacional, o que temos de fazer para aproveitar as enormes oportunidades da extensão da plataforma continental, para concretizar a reforma da floresta, melhorar os cuidados prestados às pessoas idosas, o que temos de fazer para concretizar uma medida muito importante que é a prestação social de inclusão para a pessoa com deficiência que aprovámos agora durante o verão, o que é necessário fazer para erradicar a pobreza, bom, o que não falta é coisas para fazer e que podemos fazer em conjunto.

Isso não carece de ir permanentemente conversando com os parceiros?

Isso requer simplesmente a manutenção da nossa vontade política de seguir em frente na execução com estabilidade desta orientação política que tem dado bons resultados a Portugal, tem dado bons resultados aos portugueses e verdadeiramente ninguém deseja que haja mudanças.

A descentralização, que estava previsto ter sido conseguido fazer antes das autárquicas, que era o que fazia sentido quando estamos a falar de centralização de competências para que os autarcas fossem eleitos sabendo já que competências iam ter, falhou. Pergunto-lhe se essa é a grande reforma do Estado para a segunda parte da legislatura e com quem é que vai procurar que ela seja feita, sendo que nós ouvimos quer a oposição à direita quer os seus parceiros à esquerda com algumas críticas duras àquilo que foi apresentado até agora?

O adiamento da reforma para o período pós-eleitoral não comprometerá o essencial, porque o próximo mandato autárquico será marcado por um forte reforço das competências das autarquias locais e um forte reforço dos meios das autarquias locais. Nós somos dos países mais centralizados da Europa e isso é um fator de atraso do nosso desenvolvimento. É consensual entre todos os autarcas, dos 23 diplomas que temos em discussão na Associação Nacional de Municípios há já um acordo fechado relativamente à generalidade deles e estou certo que virada esta página eleitoral concluiremos o resto e estaremos em condições, então, de poder apresentar uma lei das Finanças Locais que corresponda ao reforço dos meios financeiros necessários para as autarquias poderem assumir essas novas competências e que se gerará um bom acordo na Assembleia da República. Basta ouvir todos os dias os líderes partidários elogiarem o trabalho fantástico das autarquias locais para ter a certeza de que depois não se esquecerão de como devemos aproveitar esse trabalho fantástico para lhes dar ainda mais e melhores meios para poderem fazer ainda mais e ainda melhor.

Concorda com Passos Coelho quando ele diz que esta reforma não pode significar mais despesa para o Estado, dizendo que se houver essa garantia tem disponibilidade para negociar?

Mas esse é um pressuposto desde o início dessa reforma. Como sabe eu tenho experiência na Câmara de Lisboa de ter feito o maior programa de descentralização de competências da Câmara para as freguesias e essa reforma foi feita garantindo não só que não houve aumento da despesa como houve uma maior eficiência no exercício da despesa. Teve uma fase inicial necessariamente traumática de ajustamento das competências, de aprendizagem, mas hoje acho que toda a gente está satisfeita e as freguesias mostraram que, de facto, estavam em melhores condições do que a Câmara para prestar serviços naquelas áreas onde viram as competências reforçadas. É o que temos de fazer agora com as autarquias locais e eu tenho confiança total na capacidade dos nossos autarcas para poderem assumir estas novas responsabilidades.

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