"Se houver um acordo sobre a Síria, é difícil antecipar uma guerra regional"

Carlos Gaspar, investigador do IPRI, considera que morte do embaixador russo em Ancara está a ser tratada como ato isolado porque Rússia, Turquia e Irão, os três principais atores externos da guerra, consideram a Síria demasiado importante e estão a negociar uma coexistência no país de Assad
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Que impacto podem ter na política alemã os ataques envolvendo refugiados? A extrema-direita vai beneficiar?

É cedo para antecipar. A demagogia da Alternativa para a Alemanha (AfD), que respondeu aos atentados de Berlim dizendo que as pessoas assassinadas pelos terroristas são os "mortos de Angela Merkel", pode revelar-se contraproducente. Toda a gente sabe que as redes terroristas islâmicas ganham se conseguirem provocar o medo e a divisão, mas a sociedade alemã e o conjunto dos europeus estão preparados para lhes responder defendendo a tranquilidade democrática.

A Europa subestimou o efeito que a guerra na Síria pode ter nos chamados lobos solitários?

Provavelmente. Mas, em todo o caso, a nova estratégia das redes extremistas islâmicas, que concentra os atentados terroristas em lugares públicos -, ensaiada pela primeira vez pelo LeT paquistanês num assalto a um hotel em Bombaim há oito anos - é mais difícil de neutralizar do que os grandes atentados.

Acha que as opiniões públicas e os governos europeus estão mentalizados de que há uma guerra em curso?

A guerra é uma relação exclusiva dos Estados e só é possível reconhecer que há uma guerra em curso se se reconhecer o Estado Islâmico (EI) como um Estado, como o fez o presidente François Hollande. Mas essa não é necessariamente a estratégia mais avisada.

Em relação ao assassínio do embaixador russo na Turquia, como interpreta a reação contida de Putin e Erdogan?

A Rússia, a Turquia e o Irão estão a negociar uma fórmula de coexistência na Síria e o acordo entre os três principais atores externos da guerra civil na Síria é demasiado importante para ser perturbado pelo assassínio do embaixador da Rússia em Ancara, no que parece ser interpretado por essas autoridades como um ato isolado.

O EI está a tentar desencadear uma guerra regional ou em larga escala. Pode acabar por consegui-lo?

O EI acaba de obter uma vitória importante em Aleppo. A Rússia, o Irão e o regime de Bashar al-Assad conseguiram derrotar as milícias sunitas da resistência síria que tinham expulso o EI de Aleppo em 2014. Paralelamente, as forças do EI não foram expulsas de Mossul, continuam na sua capital em Raqqa e passaram à ofensiva em Palmira. A ofensiva do EI pode continuar se depois de Aleppo as forças militares da Rússia e do Irão e as milícias xiitas libanesas e afegãs se concentrarem na luta contra as forças da resistência síria na província de Idlib. Mas se houver um acordo entre Turquia, Irão e Rússia, é difícil antecipar um cenário em que a escalada da violência interna pode transformar a guerra na Síria numa guerra regional.

Trump disse que quando chegar à Casa Branca vai erradicar os terroristas da face da Terra. O que podemos esperar dele?

A demagogia não é uma boa estratégia. As expectativas correntes antecipam uma coligação entre os EUA e a Rússia contra o EI na Síria e no Iraque, cujas contrapartidas, além da garantia da sobrevivência do regime de Bashar al-Assad, continuam a não ser claras. Os mais otimistas entendem que essas contrapartidas podem não ir além do reconhecimento norte-americano dos "interesses especiais" da Rússia na Ucrânia e do levantamento das sanções impostas a Moscovo na sequência da anexação russa da Crimeia. Os mais pessimistas admitem a possibilidade de um rapprochement entre Washington e Moscovo à revelia de Berlim.

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