Se for para melhor...

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Augusto Cury, psiquiatra, psicoterapeuta e autor de uma vasta obra sobre o conhecimento e a inteligência, afirmou que educar não é "corrigir erros, mas sim criar ideias". O nosso atribulado e sempre experimental sistema de ensino tem gasto grande parte dos seus recursos e energias a corrigir os erros e parece não lhe restar tempo para o resto. Os últimos anos foram consumidos pela polémica em torno do modelo de avaliação dos professores e antes, se a memória me não falha, um dos pontos altos da agenda da educação foi a colocação dos professores e, recorrentemente, as gaffes nas provas nacionais. Quanto ao que interessa, pouco ou quase nada.

A recente decisão governamental de fechar 900 escolas básicas, todas com menos de 20 alunos, para os reagrupar em unidades com as condições necessárias a um melhor ensino e a uma melhor aprendizagem, desatou um novo alvoroço. Parece fácil a qualquer pessoa de bom senso perceber que, sobretudo nos dias de hoje, a escola precisa de escala e de massa crítica e que, por mais esforçados que sejam os professores dessas pequenas escolas sobreviventes à desertificação e ao Inverno demográfico, estas crianças estarão sempre numa situação de desigualdade face às oportunidades a que têm direito.

A interioridade desses territórios deprimidos repercute-se inevitavelmente naquilo que é uma parte substancial da educação enquanto formação e capacitação pela falta das componentes de um mundo exterior a essa interioridade, como é o caso de uma convivência alargada, o contacto com outras realidades, a diversidade das actividades e o acesso a outros meios de conhecimento.

A medida foi imediatamente atacada num tom de indignação desproporcionado e com argumentos no mínimo desfocados. Que as crianças vão ser desterradas, desenraizadas, arrancadas do deu habitat, tiradas às suas famílias e à sua pequena comunidade. Bom, tanto quanto se sabe, as distâncias são curtas, a partida e o regresso de acordo com horários normais e em condições que rapidamente se transformarão em rotina. Que as crianças, pobres inocentes, vão ser atiradas para uma realidade desconhecida, perder-se nos labirintos de um ambiente novo, nos meandros hostis das dimensões desumanas. Bom, o que me parece é que vão poder, deste modo, viver uma experiência escolar em tudo semelhante à que existe nas zonas do País que não estão deser-tificadas e mitigam os males da interioridade. Costuma dizer-se que, se for para melhor, tudo bem. E que evidências temos de que não vai ser para melhor? Nenhumas. Evidência, sim, é o reduzido sucesso escolar dos alunos das pequenas escolas que agora irão ser fechadas. Evidência é também a comprovada dificuldade que sentem em interagir fora do seu reduzido habitat. Evidência é, por fim, o facto de noutros países - que para umas coisas servem de exemplo e para outras são comodamente esquecidos - terem procedido do mesmo modo.

Mas, atenção, este processo vai requerer do Ministério da Educação uma gestão inteligente e rigorosa: desde o envolvimento das autarquias e das famílias até ao processo de integração dos alunos e dos professores, passando pela eficiência na disponibilização dos meios necessários tais como os transportes, e de muita informação e pouca burocracia.

É natural e prudente que o processo que vai seguir-se nos suscite dúvidas. Questão diversa é atacar a iniciativa recorrendo a argumentos assentes no pressuposto imaginário de que os equipamentos só por si combatem a desertificação, sem políticas demográficas, de revitalização económica e de estímulo à fixação de população. Mas mais grave é pensar que, na ausência de tudo isso, as crianças - cada concreto grupo de crianças de cada uma das desertificadas freguesias - deviam ali ficar o dia todo para animarem com os seus risos e brincadeiras, quais pardais improvisados, o quotidiano dos seus habitantes. Isso, sim, parece-me ofensivo.

Porque as crianças não são um meio, são um fim em si mesmo. Precioso como se sabe e raro como se vê.

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