"Se calhar, se fosse estrangeiro, já teria tido uma exposição só minha"

Arnaldo Batalha é serralheiro e faz peças de arte do desperdício que fica dos projetos que faz em aço e ferro para a construção civil. Já expôs em vários sítios, menos na sua terra.
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Santos da casa não fazem milagres" ou "casa de ferreiro, espeto de pau" são ditados populares que servem como uma luva a Arnaldo Batalha. É serralheiro de profissão; artista nas horas vagas. Tem uma peça exposta na Assembleia da República, Olho da Vida, e já participou em exposições, mas lamenta que nunca o tenha feito na sua terra, Mafra. Há um cavalo de aço que identifica a sua arte na vila, mas é no estacionamento de um hotel, cujo proprietário é amigo. Chama-lhe Cavalo Livre, como diz sentir-se quando está a moldar o aço, a dar utilidade ao desperdício. Sonha ter um museu.

Na oficina, a ASB Serralharia (Arnaldo dos Santos Batalha), utiliza aço e ferro e é com o primeiro material que mais gosta de trabalhar, embora utilize todas as matérias-primas próprias de uma serralharia. Muitas sobras que iriam para o lixo, objetos usados, pedaços de chapa e desperdício, adquirem formas decorativas, sobretudo animais. Arnaldo Batalha tem 62 anos e fundou a empresa em 1983, especializando-se no desenvolvimento de projetos para a construção ci vil. Posteriormente, começou a aproveitar as horas vagas para dar azo à imaginação. Horas que, quando está a acabar uma peça, atropelam o horário de trabalho. E com muitas noites mal dormidas.


"Penso numa peça, imagino o material com que a posso construir e vou fazendo de acordo com as minhas memórias. Outras vezes, pego num material, em coisas usada, e monto-as até adquirirem formas, nomeadamente um animal", explica Arnaldo Batalha.

É disso exemplo um homem feito à base de picaretas, a que chamou Picareta Andante.
Paralelamente à atividade industrial e de construção, tem um estabelecimento comercial dedicado à comercialização de materiais de bricolage e de construção.

É na cave da serralharia que acumula as peças que vai construindo, algumas até feitas por encomenda para exposições, muitas obras realizadas em aço. "Aquece-se e depois molda-se no formato que queremos. O aço dá para fazer o que quisermos com as mãos."

Os animais são o tema de eleição, mas também os instrumentos musicais, como uma guitarra portuguesa e duas violas. Uma dessas violas acaba de chegar da ilha açoriana de São Miguel, onde esteve patente no Coliseu Micaelense durante uma competição de blues.

Arnaldo Batalha gosta de ver o seu trabalho exposto, que seja apreciado, mas, ao mesmo tempo, parte-se-lhe o coração quando embala as suas obras para serem transportadas. Há sempre o perigo de se partir alguma coisa, de vir incompleta. "Choro por dentro sempre que vai uma peça para exposição, são muitas horas de trabalho. O meu sonho era ter um museu em Lisboa, com espaço para mostrar tudo o que tenho vindo a fazer ao longo da minha vida. As peças precisam de um espaço para sobressaírem e tem de ser coberto, o inox não pode estar ao ar", sublinha.

Participou em certames em embaixadas, hotéis, em eventos coletivos. Expôs em Ponta Delgada, Lisboa, Estoril, Ericeira e Sintra, mas nunca em Mafra. Houve a promessa de o fazer, mas que não teve continuidade. Acabou por desistir da ideia. "Vem aqui muita gente que gosta e elogia o meu trabalho, mas não passa disso. Se calhar, se fosse estrangeiro, já teria tido uma exposição só minha", lamenta.

Confessa esperar não ter a mesma sorte que o mestre José Franco (Aldeia José Franco), que entende não ter sido devidamente homenageado em vida. Também foi seu mestre, aprendeu muito com ele e, aliás, alguns dos trabalhos que estão na aldeia em miniatura foram feitos por Arnaldo, conta.

Em 2017 fez o tal cavalo em inox, a que chamou Cavalo Livre. Sonhou com a promessa que seria colocado no centro da vila, projeto eternamente adiado. Acabou por colocar a escultura no parque de estacionamento do Hotel Castelão, de cujo proprietário é amigo. "Um dia, numa conversa, manifestei a minha tristeza por não ter o espaço para mostrar o cavalo e ele disponibilizou o hotel. É um amigo."


Vai guardando tudo o que constrói na cave da serralharia, nas escadas, nos cantos e recantos daquele espaço: animais, instrumentos, globos onde os países são assinalados com medalhas olímpicas, quadros, molduras e outras peças decorativas. O museu com que sonha teria de ser um edifício com 500 ou 600 metros quadrados, para já, porque esta é uma obra em constante progressão.

O DN esteve no ateliê/serralharia de Arnaldo Batalha no dia em este que fez 62 anos e o museu seria uma prenda extraordinária. "Continuo com essa esperança, até porque cada vez há mais gente a conhecer o meu trabalho. Gostava de ter um sítio com espaço e condições para poder destacar as minhas peças", conclui.

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