Se beber, afaste-se da varanda

Os números revelam uma tendência preocupante: 50 mortos em cinco verões, caídos de varandas. E nem as campanhas de prevenção lançadas pelo governo britânico têm ajudado.
Publicado a
Atualizado a

A última noite de abril não estava especialmente quente e o irlandês de 33 anos não fazia parte dos costumeiros grupos de miúdos que celebram os 20 anos e o bar aberto oferecido por alguns hotéis algarvios em pacotes de tudo incluído. Passava uns dias de férias em família, em Albufeira, e tinha estado a beber uns copos até decidir acercar-se da varanda para apanhar ar. Passavam escassos minutos das cinco da manhã. Os dez metros em queda livre do seu quarto no terceiro andar até ao chão de cimento tê-lo-iam morto, não fosse ter ficado preso entre a parede e um aparelho de ar condicionado num andar abaixo, impedindo o embate. Teve a sorte que faltou a outros, segundo o INEM, que o assistiu no local e o levou, de urgência e com ferimentos graves, incluindo na cabeça, para o hospital de Faro, onde ficou internado vários dias.

Não é pela singularidade que o caso preocupa - só em Portugal, em 2014, um casal de turistas holandeses caiu de uma varanda no sexto andar; em 2016, um inglês de férias no Algarve não resistiu a um acidente semelhante. A verdade é que este tipo de acontecimentos - que até são mais frequentes no sul de Espanha - são já "a principal causa de morte e acidentes em férias".

A informação é reproduzida em cartazes bem visíveis, alertando para os perigos da má utilização das varandas. O aviso afixado das Baleares aos Algarves. Mas nem os números nem a história que Jake partilha nessas brochuras preventivas distribuídas pelas agências de viagens, ao lado de conselhos que parecem óbvios mas muitas vezes são ignorados - "não se debruce", "não tente passar de uma varanda para outra", "não se ponha de pé sobre o parapeito", "não se atire para a piscina" - são levados a sério.

O caso de Jake Evans, de Liverpool, não acabou tão mal como outros. "Tinha estado a beber com os amigos, a festa continuou no quarto e vim à varanda para fumar. Pedi lume aos amigos que estavam no apartamento debaixo do meu e quando me inclinei para apanhar o isqueiro caí. Caí do sétimo piso, embatendo em cada parapeito. Parti a cabeça, os dentes, o pulso e todos os dedos da mão direita", relata o jovem de 19 anos que hoje, um ano depois do acidente, continua a ter problemas na coluna e ficou com danos permanentes no braço.

Demasiadas vezes, porém, a mistura de álcool e alturas acaba em mergulhos mortais. Nos últimos cinco anos, foram perto de 50 os cidadãos britânicos mortos em férias em acidentes semelhantes. A somar a outros de outras nacionalidades - em menor quantidade - e aos que a sorte deixa mais ou menos maltratados.

"Porque morrem tantos turistas britânicos em quedas de varandas?", questiona uma edição recente do Sunday Times antes de relatar o que se passa em vários destinos do sul da Europa que oferecem pacotes baratos que incluem todo o álcool que os turistas conseguirem consumir. A fórmula atrai mais do que adolescentes e mesmo os mais cautelosos acabam por assumir riscos sérios e desnecessários. Como tentar chegar ao quarto pela varanda contígua ou escalando a fachada.

Porque é que esta horrível tendência parece ser mais forte no Reino Unido? Os hábitos de binge drinking entre os jovens e o facto de não estarem habituados a este tipo de construção ajudam a explicar.

A verdade é que são demasiados episódios, verão após verão, para ignorar o problema. E as autoridades britânicas são as primeiras a reconhecê-lo. Desde 2013, o governo, em associação com a Organização de Agências de Viagens do Reino Unido, lançou-se numa missão de divulgar o mais possível campanhas de prevenção sob o mote Booze and balconies don"t mix (qualquer coisa como álcool e varandas são uma mistura perigosa). "Dezenas de turistas morrem ou sofrem ferimentos graves todos os anos. Tenha especial cuidado se for à varanda depois de consumir álcool ou drogas; os seus reflexos e julgamento são afetados por essas substâncias", lê-se nos cartazes espalhados por agências, autocarros, outdoors e balcões. Nos hotéis que se têm juntado à iniciativa, uma versão mais direta "Use a varanda com sensatez e em segurança, para que a vista não seja a última coisa que vê na vida."

Os números negros, porém, não se têm reduzido. Não são só acidentes, desequilíbrios, azares. Há partidas, desafios, riscos deliberados - há um par de anos, a moda ditava que as festas só acabavam quando os convidados se atiravam da varanda do quarto para a piscina do hotel, levando mesmo algumas autarquias do sul de Espanha a instituir multas até três mil euros para quem o fizesse -, situações de perigo nas quais os jovens, com o "julgamento toldado por litros de cerveja e shots", se põem voluntariamente.

De acordo com os números da Organização Mundial da Saúde, cerca de um quarto dos britânicos entre os 16 e os 24 anos admitem beber com o simples objetivo de se embebedarem. Apontam ainda as estatísticas que mais de um terço das vítimas de acidentes fatais tinham ingerido álcool ou drogas.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt