"Eu sou muito teimoso." Foi assim que Wolfgang Schäuble se descreveu numa entrevista dada ao Financial Times em março de 2019, numa altura em que era presidente do Bundestag, o Parlamento alemão. Mas foi como ministro das Finanças de Angela Merkel que Schäuble ganhou projeção europeia e até mundial, apesar de tantos outros feitos da sua longa carreira política. Morreu na noite de terça-feira, 26 de dezembro, aos 81 anos, em casa rodeado pela família. "Nele, a Alemanha perde um pensador brilhante, um político apaixonado e um democrata combativo", disse ontem o chanceler alemão, Olaf Scholz..Eleito pela primeira vez deputado em 1972, os seus 51 anos no Bundestag são um recorde, mas são outros dois os momentos decisivos na sua carreira política interna. Como ministro do Interior, teve um papel-chave nas negociações para a reunificação da Alemanha, após a queda do Muro de Berlim. Em 1990, pouco depois da reunificação, foi vítima de uma tentativa de assassinato após um evento de campanha da CDU, deixando-o paralisado e numa cadeira de rodas para o resto da vida. "Não posso mudar o que aconteceu, mas enquanto viver, viverei", disse na altura. Três meses depois, quando ainda vivia num centro de reabilitação, estava de volta à campanha..O segundo momento ocorreu dez anos depois, quando foi obrigado a abandonar a liderança da CDU, dando lugar a Angela Merkel, na sequência de um escândalo relacionado com donativos ilegais ao partido. "Foi um "golpe enorme"", referiu em entrevista ao jornal suíço Neue Zürcher Zeitung..Quando Merkel se tornou chanceler alemã, em 2005, primeiro nomeou-o ministro do Interior, tendo assumido depois a pasta das Finanças entre 2009 e 2017, cargo no qual se concentrou no equilíbrio das contas da Alemanha (conseguiu chegar ao défice zero em 2014), mas também ficou para a História como o grande impulsionador das políticas de austeridade adotadas pela Zona Euro em resposta à crise das dívidas que afetou países como Portugal, Espanha, Irlanda, Chipre e, acima de tudo, a Grécia, tendo-se mesmo chegado a discutir a saída desta da Zona Euro. "Entristece-me, porque tive um papel em tudo aquilo", confessou na entrevista dada ao Financial Times em 2019. "E penso como é que poderíamos ter feito diferente.".Nos 12 anos que serviu como ministro de Angela Merkel foi visto como o seu braço direito, aquele que ajudava a chanceler nas alturas de crise, mas a convivência entre os dois nem sempre foi pacífica. "Houve alguns conflitos muito maus em que ela sabia também que estávamos no limite e que eu me teria ido embora. Sempre tive de ponderar se alinhava nas coisas, embora soubesse que eram a decisão errada, como no caso da Grécia, ou se me ia embora", confessou também ao Financial Times. "Nem sempre concordávamos, mas sempre fui leal.".Na sequência das eleições parlamentares de 2017, em que o partido de extrema-direita AfD, se tornou na terceira maior força política da Alemanha, Schäuble tornou-se presidente do Bundestag, a segunda figura política do país, tendo conseguido o respeito de todos os deputados. Nos últimos dois anos de vida voltou a ser um mero deputado, mas com o título de Pai do Parlamento, atribuído ao eleito mais velho.."Temos a liberdade de tornar o mundo em que vivemos melhor, de poder realizar grandes coisas", pode ler-se em Experiências limítrofes - como crescemos em crises, o livro que Schäuble lançou em 2021..ana.meireles@dn.pt