Saúde oral precisa de "investimento", reformas e mais dentistas no SNS
Definir um programa anual de investimento em saúde oral", reformular o cheque-dentista e "aproveitar o Plano de Recuperação de Resiliência para fazer reformas nos cuidados de saúde primários, integrando os médicos dentistas e criando a carreira de Medicina Dentária no Serviço Nacional de Saúde". Estes foram alguns dos desafios lançados ontem pelo bastonário da Ordem dos Médicos Dentistas e por especialistas em saúde oral para a nova legislatura, de forma a melhorar o acesso de todos aos cuidados médico-dentários em Portugal.
As medidas foram traçadas ao longo da conferência promovida pela Ordem dos Médicos Dentistas, em Viseu, na qual dentistas, higienistas e nutricionistas defenderam ainda a colaboração entre todas as áreas na promoção da literacia em saúde, de modo a aumentar a qualidade de vida da população e diminuir os riscos de doenças.
"Ainda há muito por fazer para que as necessidades dos portugueses em matéria de saúde oral estejam integralmente garantidas", frisou Miguel Pavão, bastonário da Ordem dos Médicos Dentistas, notando que, apesar dos "inegáveis avanços alcançados nos últimos anos em Portugal" em termos de saúde oral, 70% dos portugueses têm falta de dentes e, em 2021, 41% não tinham consultado o médico dentista há mais de um ano.
O cheque-dentista, destinado a financiar tratamentos de saúde oral a estudantes, grávidas, portadores de VIH/sida, beneficiários do complemento solidário para idosos e pessoas com cancro oral, foi um dos temas em debate. Desde 2008, altura em que o programa foi implementado, foram desperdiçados quase 2,4 milhões de vouchers. Frisando que o cheque tem uma taxa de utilização superior a 70%, a diretora-geral da Saúde considerou o "valor positivo" e admitiu o alargamento do acesso ao voucher "num futuro próximo" (ver texto ao lado).
Já a Ordem dos Médicos Dentistas pede que o programa seja repensado. Ainda assim, José Frias Bulhosa admitiu que o cheque-dentista trouxe "inovação". "Tenho muita esperança de que um dia alguém nos consiga ouvir. Que a gente consiga dar o nosso contributo para a melhoria dos sistemas informáticos e da tipologia de consulta. Fazer aquilo que aconteceu em 2008: uma revolução daquilo que havia nos programas públicos de saúde oral e que agora, passados 12 ou 13 anos, se calhar já estamos a precisar de reformular e de atualizar sob o risco de estarmos a fazer arqueologia nos programas de saúde pública oral", concretizou.
Considerando não ser preocupante o facto de 30% dos cheques-dentista não terem sido utilizados, António Mano Azul, chief dental officer, explica que o mais importante é que todas as verbas do programa de promoção da saúde oral sejam gastas, sugerindo a reintrodução no sistema dos vouchers não utilizados.
"Esse dinheiro devia ser reintroduzido no sistema. Há crianças e adultos que têm várias cáries a tratar e só têm dois cheques, porque há uma limitação do número de cheques", explicou António Mano Azul. Ao longo do debate, a inclusão dos médicos dentistas no Serviço Nacional de Saúde foi outro dos temas em cima da semana, bem como o aumento de médicos dentistas formados nos últimos anos.
Nélio Veiga, coordenador do Mestrado Integrado em Medicina Dentária da Faculdade de Medicina Dentária da Universidade Católica Portuguesa defende a inclusão de profissionais noutros "focos estratégicos". Deu como exemplo, o caso dos lares, escolas e instituições de apoio social.
"Não só a colocação de médicos dentistas em centros de saúde e hospitais, mas definir estratégias onde realmente eles são precisas. Se calhar a pessoa que se encontra no lar de idosos e acamada não tem capacidade de se deslocar", sublinhou Nélio Veiga.
marisa.silva@ext.jn.pt