Saúde mental, a nova missão de Tengarrinha
Os primeiros sintomas de que algo não estava bem começaram ainda na parte final da época passada, no Boavista, mas foi na última pré-época, ao serviço do Politehnica da Roménia, que a vida de Bernardo Tengarrinha se alterou radicalmente. "Desmaiei duas vezes em treinos. Fizeram-me exames ao sangue e descobriram uma anemia grave", conta ao DN. Então, meteu-se num avião rumo a Lisboa e dirigiu-se às urgências de um hospital. Ficou internado 21 dias, perdeu dez quilos. Tinha afinal um linfoma de Hodgkin.
"Fiquei perdido. Tinha tantos planos e de repente... As primeiras coisas que me passaram pela cabeça foi pensar na minha família e se poderia voltar a jogar futebol", recorda Tengarrinha, obrigado a suspender a carreira para dar luta ao cancro. "É bastante frequente que ao longo de uma época um jogador passe por problemas. Lesões, estar longe da família, ordenados em atraso... Mas para um problema destes nunca ninguém está preparado."
O tratamento está feito, com sucesso, agora o jogador está em fase de vigilância. Pelo meio, Tengarrinha foi objeto de um raro movimento de mobilização que juntou todos os clubes: a oferta de uma caixa com camisolas personalizadas de todos os clubes da Liga. "Surpreendeu-me terem feito algo desta grandiosidade num desporto que está tão egocêntrico", reconhece, agradecido, o médio de 29 anos, que agora trabalha numa agência imobiliária enquanto o futebol está em pausa.
Desde outubro do ano passado, Tengarrinha é também o embaixador do projeto Saúde Mental, implementado pelo Sindicato de Jogadores.
"O que mais espero é que os jogadores tenham abertura para falar das suas fragilidades. Eu sei que é difícil tornar público um problema, a maior parte das pessoas não quer mostrar fragilidade. Mas é por isso mesmo que existe este projeto. Quem quiser falar com o Sindicato não tem de ter receio porque o caso não vai ser tornado público. Têm aqui uma ferramenta de ajuda", salienta.
O projeto do Sindicato é feito em parceria com a Sociedade Portuguesa de Psicologia do Desporto, cujo presidente, Duarte Araújo, explica ao DN os quatro eixos de intervenção do projeto: "O primeiro é a informação: divulgar e desmistificar esta questão junto dos jogadores; o segundo é a formação: ensinar-lhes o que podem fazer, a nível pessoal e de grupo, em interajuda; o terceiro é a terapia: acompanhamento profissional para jogadores que reconheçam que há algo que querem trabalhar num processo mais terapêutico; e o quarto é o da investigação: uma recolha que permita a caracterização específica do panorama nacional e perceber se este reflete dados internacionais, ou se os dados são os mesmos nas duas ligas profissionais, por exemplo."
Para acionar uma intervenção terapêutica, o primeiro passo "é o atleta reconhecer que não está a sentir-se bem", enquanto o "maior e mais preocupante sinal de alerta que devemos reconhecer é quando se verifica um maior isolamento da pessoa em questão". "Outro sinal são as mudanças bruscas de comportamento", diz o professor da Faculdade de Motricidade Humana de Lisboa, que gostava de ver "estes aspetos da saúde mental terem no desporto o mesmo apoio e suporte que todos os outros ligados à medicina, como a ortopedia ou a fisioterapia."