Saúde: A evolução na continuidade

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A recondução de Marta Temido é uma boa notícia para o setor da Saúde, para o Serviço Nacional de Saúde e, em particular, para os enfermeiros. É que após quatro anos como titular da pasta da Saúde, já sabemos o que esperar da "nova" ministra. Que não é muito, diga-se em abono da verdade. E, sobretudo, é bem possível que seja mais um mandato sem grande respeito pela enfermagem. Repleto de palmadinhas nas costas, louvores nas televisões e receções aos sindicatos à porta dos elevadores do Ministério. Afinal, nos dois primeiros anos, e sem a condicionante de uma pandemia mundial, a ministra fez questão, em várias ocasiões, de deixar claro o seu pensamento para com a classe.

Num Governo de maioria absoluta, desobrigado de fazer acordos estratégicos com outras forças parlamentares, há campo de manobra para fazer as reformas necessárias e implementar as medidas há muito ansiadas no setor da Saúde. Assim haja vontade de quem, ao longo de quatro anos, foi incapaz de contrariar a falta de planeamento estratégico que tem existido ao longo dos anos, de inverter a falta de investimento no valor humano do SNS e em especial na enfermagem.

Em breve iremos ter em discussão na Assembleia da República o Orçamento de Estado para 2022. Com vários meses de atraso, mas já com trabalho de casa feito. Se o novo Governo levar a discussão o Orçamento chumbado em outubro passado, teremos um orçamento na ordem dos 13 mil milhões de euros para financiamento da despesa corrente na Saúde. Na prática estava em cima da mesa um reforço do orçamento da Saúde de 703,6 milhões de euros.

Se esse incremento for investido nas pessoas, na resolução dos seus problemas, esta é uma verba que, por si só, representa uma grande ajuda para solucionar questões crónicas. Sobretudo para dar resposta às necessidades da população, na qual os enfermeiros são uma componente fundamental e sem os quais não é possível melhorar os resultados em saúde.

De nada serve anunciar um reforço de 700 milhões de euros, ou até de 5 mil milhões de euros, se esse reforço orçamental simplesmente não for executado, seja por via de cativações da despesa ou por expedientes administrativos que visam adiar sine die um conjunto de medidas que, bem analisadas, não passam de um conjunto de boas intenções.

À nova ministra, e ao novo Governo, colocam-se desafios antigos e sobejamente conhecidos dos vários responsáveis governamentais. Desde logo, a melhoria das condições de trabalho dos profissionais de saúde e em particular dos enfermeiros. É fulcral que a carreira de enfermagem seja devidamente reconhecida, que deixe de existir uma diferenciação de direitos tendo em conta apenas o tipo de contrato de trabalho, que seja reconhecida como uma profissão de alto risco e de desgaste rápido, que exista uma real progressão na carreira e que a mesma permita chegar, por exemplo, ao topo sem precisar de cem anos para atingir o patamar máximo. Passa, também, por implementar um regime de avaliação e desempenho justo e que valorize a profissão, bem como um sistema de contratações que permita uma rápida conclusão dos concursos e não que durem 5, 8 ou 10 anos, como frequentemente sucede.

Os últimos dois anos paralisaram toda e qualquer discussão em torno da resolução destes problemas sempre com a justificação de que todo o foco do País estava centrado no combate e controlo da pandemia. É verdade que ainda não está tudo resolvido a este nível. Mas também o é que todo este combate está agora mais circunscrito. Por isso, o foco da atenção deve focar-se na recuperação de consultas, cirurgias e outros cuidados de saúde que foram secundarizados ao longo de todo este tempo e que colocaram a nu as fragilidades de um sistema de saúde no limite. Temos que ter a coragem e ousadia de reformar o acesso aos cuidados de saúde.

Manter Marta Temido à frente do Ministério da Saúde tem a vantagem, como dissemos no início, de conhecermos de antemão com o que podemos contar, ou não, da parte da tutela. Mas tem ainda a vantagem de ter a conduzir os destinos do Ministério alguém que já conhece os dossiês, que não precisa de perder muito tempo a inteirar-se das nossas propostas. No fundo, não precisa de longos períodos tempo para estudar as propostas do Sindicato dos Enfermeiros. Basta ter a coragem política para tomar as decisões, basta ter a resiliência para melhorar o que não está certo.

Que a nova ministra seja capaz de surpreender pela positiva o sindicato. Ganha a saúde, ganham os enfermeiros e, sobretudo, ganham os portugueses.

Presidente do Sindicato dos Enfermeiros

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