Saudades do Havelange
Em 2012, Ricardo Teixeira, o então presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), renunciou ao cargo que exercia há 23 anos após acusações de pagamento irregular de viagens a magistrados e outras autoridades, de financiamento ilegal de campanhas de parlamentares ligados ao mundo do futebol para impedir a investigação à corrupção na CBF e se perpetuar no cargo, de celebrar contratos ruinosos, de fraude fiscal, de uso indevido da entidade em favor de negócios pessoais na sua cervejaria, de nepotismo, entre outros.
Ainda em 2012, foi acusado num relatório do Ministério Público suíço de desviar 38 milhões de euros na atribuição dos direitos de marketing de mundiais de futebol, num esquema liderado pelo seu sogro e presidente da FIFA à época, João Havelange, o dirigente cujo nome se tornaria, no fim da sua longa vida (100 anos), sinónimo de corrupção no Brasil e no mundo.
Os otimistas, num país tão orgulhoso da sua seleção, pensaram que 2012 se tornaria o ano zero da regeneração da CBF.
Os realistas, por sua vez, contentaram-se em acreditar que era impossível a entidade descer mais baixo.
Mas foram os pessimistas, os mesmos que alertaram, na política, que depois de Temer poderia vir presidente pior, que venceram a aposta.
Despejado Teixeira, assumiu José Maria Marín, seu vice-presidente. Colaborador da ditadura militar, envolvido na tortura e na morte do jornalista Vladimir Herzog e íntimo de Paulo Maluf, o político brasileiro procurado pela Interpol, o novo presidente destacara-se enquanto "vice" por, na entrega das medalhas de um campeonato de juniores, ter sido apanhado pelas câmaras a desviar para o bolso a distinção devida a um jovem atleta.
Em 2015, acabaria num calabouço suíço, depois noutro nova-iorquino, acusado de cleptomania mais pesada: conspiração para desvio de dinheiro ilícito, fraude e lavagem de dinheiro na Taça dos Libertadores, na Copa do Brasil e na Copa América, num total de 6,5 milhões de dólares roubados para o mesmo bolso onde colocou a medalha do miúdo.
Sucedeu-o Marco Polo Del Nero que, apesar de partilhar o nome com o intrépido explorador, não sai de casa - ele sabe que se puser um pé fora do Brasil terá o mesmo destino de Marín. Banido do futebol pela FIFA, por suborno, corrupção e conflitos de interesse, e suspeito de ter dado 1,3 milhões de reais, em dinheiro, a duas namoradas, às custas da CBF, acabou, em 2017, fora do organismo.
Mas escolheu o sucessor, Rogério Caboclo, entretanto afastado desde esta semana do cargo por 30 dias, para se defender de acusações de assédio moral e sexual a uma funcionária - perguntou-lhe "você se masturba?", conforme se ouve numa conversa gravada por ela, chamou-a de cadela e atirou-lhe biscoitos de cão em público, supostamente sob efeito de álcool.
Os pessimistas tinham ou não tinham razão?
E vão continuar a ter. No lugar de Caboclo, assume o coronel Nunes (ele prefere ser chamado por Coronel do que pelo nome próprio, Antônio), um dirigente que, numa passagem como interino, usou jato pago pela CBF à paradisíaca Fernando de Noronha para "promover o futebol local", embora não haja clubes de futebol na ilha.
Como chefe de comitiva no Mundial da Rússia, em 2018, afirmou em discurso que o Brasil procurava quebrar o tabu de jamais ter ganho a prova na Europa - o primeiro triunfo canarinho, em 1958, foi na Suécia - e confundiu mar Negro com mar Vermelho. Para rematar, disse não acreditar em corrupção no futebol.
Saudades do Havelange. E do Temer.
Jornalista, correspondente em São Paulo