Sartre e a filosofia
Um mérito indiscutível que pode ser atribuído a Jean-Paul Sartre é o de ter construído um pensamento filosófico que se tornou uma moda. No universo do pós-guerra, a afirmação absoluta do primado da liberdade e da existência, que está na base do pensamento do autor de O Ser e o Nada (1943), foi adoptado como o fundamento de uma atitude cultural. O existencialismo torna-se parte central da Paris de finais dos anos 40, dos cafés do Quartier Latin e que adopta o jazz como idioma desse sentido redescoberto da liberdade e do compromisso. Esse fascínio chegaria a Portugal na década de 50, através de autores como Vergílio Ferreira. A influência é visível em obras como Aparição (1959).
Mas até que ponto a moda existencialista exprimia a adesão consciente a um pensamento ou era a transposição dos seus rótulos para o contexto cultural do pós-guerra?
As raízes do pensamento existencialista remontam a um filósofo do século XIX, Kierkegaard, que procurava ultrapassar o determinismo historicista do pensamento de Hegel. No século XX, o existencialismo surge através de filósofos como Karl Jaspers. Em 1932, antes de Sartre, Jaspers formula a ideia central do existencialismo. Ou seja, o conceito de que não existe nenhuma essência, anterior ou transcendente ao ser humano, mas que a essência do homem reside na sua existência. Complicado? Nem por isso. Este argumento significa que se nada - nem Deus, nem a História - pré-determina o que é a essência do homem então o homem é livre de se determinar a si próprio. Ser livre é a essência do homem. Ou, na formulação sartriana, o homem está condenado a ser livre "O que significa que a existência precede a essência? Significa que o homem começa por existir, reencontra-se, surge no mundo e define-se a seguir", escreveu, em O Existencialismo é um Humanismo (1946).
O existencialismo vai buscar as suas raízes ao pensamento fenomenológico e a autores como Edmund Husserl, uma influência próxima de outro filósofo fundamental do existencialismo, cujo trabalho precede também o de Sartre Martin Heidegger. Para o filosófo de O Ser e o Tempo, a morte é aúnica certeza da existência; tudo o resto é indeterminado e depende das escolhas de cada um.
Sartre retomou essa ideia do homem como projecto que se constrói no tempo, através da negação o homem começa por ser nada e depois define-se. Uma concepção ateísta, mas nos antípodas do determinismo marxista, ao definir um homem necessariamente livre e não dependente das circunstâncias históricas. No entanto, Sartre procurou, em obras como a Crítica da Razão Dialéctica (1960), conciliar o existencialismo e o marxismo. Mas esse é o Sartre mergulhado em polémicas políticas e fascinado à vez com várias revoluções, incluindo a portuguesa, que visitou em 1975. O essencial da sua obra estava escrito em meados dos anos 40. A moda de Sartre sucedeu à obra. Ou, de algum modo, substituiu-a.