Sara Barradas: "Se não fosse boa atriz já não estava cá"

Tinha 11 anos quando se estreou em televisão. Onze anos volvidos, continua a ser a "mesma menina cheia de sonhos" que desde pequenina sonhava trabalhar "dentro da televisão". Prestes a despedir-se da Catarina de "Mundo ao Contrário", diz que esta foi a personagem "mais normal" a que deu vida. Consciente de que "ainda tem muito pela frente", não tem dúvidas de que o teatro é o seu palco.
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Recentemente, o "mundo" dos atores de Mundo ao Contrário ficou mesmo "ao contrário", não é verdade?

Já sabia que me ia perguntar isso [risos]. Não me chegou a informação de que vá haver menos episódios. Não haverá é prolongamento da história. Vamos cumprir a normalidade das coisas que são os 120 episódios. Porquê? Não sei. Penso que seja para um melhor funcionamento da grelha na TVI. Deve ser de certeza uma estratégia de marketing, chame-se o que quiser, porque toda a gente ficou muito contente com o projeto Mundo ao Contrário.

Como reagiu a esta decisão?

Reagi muito bem.

Não houve o sentimento de pesar por não haver mais Mundo ao Contrário?

Não. Quer dizer, isso há em qualquer projeto quando acaba, mesmo quando é muito mais extenso. Tive muita pena quando RemédioSanto, que teve mais de 300 episódios, acabou. Mas é o fim de um projeto como de qualquer outro.

Esta decisão veio desmotivar o elenco?

Não, não desmotivou de modo algum, mas já respondi a essa questão. Não precisamos de prolongar isto.

Acha que esta história vingou?

Que eu saiba sim, pelo menos é o feedback que tenho das pessoas na rua.

Que balanço faz deste projeto?

Muito positivo, como faço de todos os outros em que tenho participado. Correu muito bem a todos os níveis. Demo-nos todos muito bem. Gostei muito da personagem, de trabalhar a fundo com a Margarida [Marinho], ainda não tinha trabalhado com ela assim. Foi mais uma escola, uma aprendizagem.

A nível de audiências, Mundo ao Contrário começou a ganhar, depois perdeu e nos últimos dias tem ficado à frente da concorrência, com a mudança de horário. A que acha que se deve?

Não tenho nada que ver com isso. Nem trabalho para audiências.

Mas tem noção de que são importantes?

São, mas não é para mim. São importantes para quem decide, para quem manda nos produtos, para quem os compra. Mas não é um trabalho que me compete. Preocupo-me com o meu trabalho no dia a dia. O meu trabalho enquanto atriz.

O horário em que Mundo ao Contrário é exibida prejudicou a novela?

Não. A novela já estava feita para este horário. Por isso é que pudemos abusar mais de alguma forma na temática, pudemos carregar mais em certas cenas mais ousadas, em certas emoções, em certas palavras. Nós, atores e equipa, já sabíamos para o que é que era.

Então o que é que faltou a Mundo ao Contrário para ter mais audiências?

Bom... Então isto é uma entrevista de audiências. Eu não sou diretora da Plural, nem da TVI...

Estou a perguntar-lhe a sua opinião.

Mas eu não sei. Não me compete a mim falar mais de audiências.

Como foi dar vida a esta Catarina?

Foi muito bom. A Catarina talvez tenha sido das personagens mais normais que fiz até hoje. Com menos características específicas, porque a Santinha era a santinha, a que tinha feito antes, a Cláudia de Espírito Indomável era prepotente, arrogante, só pensava em dinheiro. Esta é a personagem com mais moralidade que fiz.

Foi mais difícil?

Sim. É mais difícil não tornar certas cenas enfadonhas, não cair demasiado na naturalidade. Tentar dar alguma cor às cenas.

Além desta normalidade, a Catarina é uma geek da informática. Como foi trabalhar esse lado que é totalmente diferente da Sara?

Essa foi a característica mais difícil de aceitar nesta personagem, porque sou antitecnologias, anti-informação, antidesenvolvimento disto tudo. Tenho um computador ao qual praticamente não dou uso. Internet é uma coisa que para mim serve como motor de busca para certas coisas de trabalho. Não percebo mesmo nada de computadores.

Mas aprendeu alguma coisa?

Não. Não aprendi nada. Muito sinceramente, é tudo falso. Tudo aquilo que se pode ver é a fingir, não percebo nada do que estou a fazer.

Não ficou com ideia nenhuma de termos técnicos nem nada que se pareça?

Não. Absolutamente nenhuma, porque aqueles textos mais técnicos da mesma forma que os decoro, esqueço-os logo de seguida. Para mim são coisas que, como não me são naturais, esqueço-me facilmente. Se fosse algo que utilizasse mais no meu dia a dia, que soubesse mais ou menos do que estou a falar... Mas não, só sei o que é um disco externo, um rato e um teclado.

Ainda não é desta que adere ao Facebook...

Não, não de todo. Não tenho página de Facebook. Isso é bom que saia, que é para as pessoas, pelo menos para os meus seguidores e para as pessoas que gostam do meu trabalho, saberem que eu não tenho Facebook.

Porque é que nunca criou uma página?

Não tenho mesmo vontade nenhuma. Até porque sei que existe uma página de fãs minha e agradeço às pessoas que se dedicam a ela e é bom irem atualizando e pondo os meus trabalhos. Mas ter Facebook não é algo em que pense, porque não passo tempo nenhum ao computador, não faz sentido estar nas redes sociais a dizer se estou a comer uma banana ou se estou a ir para a praia. Gosto de pessoas, de falar. Odeio o mundo virtual, é algo que não me interessa nada.

"Os brasileiros fazem um trabalho melhor do que o nosso"

Mundo ao Contrário foi gravada "em cima do joelho". Este ritmo intenso prejudicou ou beneficiou o produto final?

Acho que beneficiou. Adoro que as cenas sejam exibidas logo na semana a seguir a termos gravado. Adorava trabalhar sempre assim, porque é assim que os brasileiros trabalham. Eles fazem um trabalho fantástico, melhor do que o nosso, tenho de dizer isto, mais que não seja por já fazerem novelas há mais anos do que nós. Nós já fazemos coisas muito boas, mas acho que esse método os beneficia a todos.

Este é o futuro?

Acho que sim. Aliás, ainda a propósito de esta novela ser mais curta do que as outras, isto também pode ser o futuro, porque no Brasil também fazem assim. As novelas lá são muito mais curtas do que as nossas. Nós temos estendido imenso. OK, as pessoas adoraram e ainda bem, mas de facto, mais cedo ou mais tarde, a novela pode tornar-se enfadonha quando assim é.

Antes de Mundo ao Contrário, participou em Remédio Santo, onde deu vida a uma personagem muito característica. Como é que foi deixar para trás a Aurora?

Com muitas saudades. Foi das personagens que mais gozo me deram fazer, se não a que mais prazer me deu fazer mesmo. Exatamente por ser muito característica, por não existir em mais novela nenhuma e também porque teve um tema que também não é normal aprofundar-se, a religião. Mais aquele fanatismo pela religião. Não foi uma escola, foi um escolão.

Estar um ano ausente ajudou a largá-la?

Estive a fazer teatro. Foi bom ter estado afastada da televisão, mas é verdade que as pessoas ainda me falam muito na Santinha. Agora já não me pedem para fazer milagres, mas na altura da novela chegaram a pedir. E isso é engraçado. Por um lado, é estranho que as pessoas não consigam dissociar a personagem do ator. Por outro, é engraçado, porque as pessoas vivem mesmo aquilo e isso é giro para nós, significa que as pessoas acompanham o nosso trabalho.

Curiosamente, Remédio Santo foi das últimas novelas da TVI a vencerem a concorrência. De então para cá é a SIC quem lidera. Como é que tem visto esta guerra entre os canais?

Ai há uma guerra?

Uma disputa pela liderança... Neste momento as novelas da SIC estão à frente.

Estão? Então parabéns! Eu vejo Avenida Brasil...

Refiro-me a Dancin" Days. Não conhece?

Não. Olhe, por acaso não vejo. Mas também não vejo Destinos Cruzados, e não vejo porque não vejo televisão. É raro. Ou por estar no teatro, agora por acaso não estou, mas aproveito para ir ao cinema e ao teatro.

Mas sabe que existe esta novela?

Sim, sei. Não sabia que vencia as audiências. Repare, eu não acompanho as audiências mesmo. É uma coisa de que me mantenho à parte, porque não me interessa. Por exemplo, quando chego a casa, se ligo o televisor, vou às minhas gravações ver filmes ou ver a Fox Life, ou ver o AXN. Não vou ver novelas. E nem sei onde é que se vê as audiências nas revistas. Não vejo.

Falou-me de Avenida Brasil. É a única novela que segue?

É a única que vejo. Gosto muito. Tem ótimos atores, uma história extraordinária, uma realização fantástica e acho que todos aprendemos qualquer coisa quando vemos aquela novela.

"Gostava de fazer uma tetraplégica"

Em 11 anos de carreira e já participou em sete novelas. Não se sente cansada de fazer quase uma novela por ano?

Se me sinto cansada? Não, porque isto é o que gosto de fazer. E porque já tive oportunidade de fazer cinema e agora recentemente teatro.

Continua a ser desafiante para si fazer novelas ao fim destes anos todos?

Claro. Porque é sempre um novo projeto. São sempre pessoas com quem ainda não trabalhei, ou mesmo que existam algumas com quem já tenha trabalhado é bom novamente trabalhar com elas. São histórias e produtos diferentes.

Não receia que se cansem de si?

O feedback tem sido ótimo, pelo menos nunca ninguém me veio dar um estalo por estar falto de me ver. As pessoas vêm dar-me beijinhos. Mas não tenho esse receio, porque nem apareço muito. Nem sou dessas pessoas que promovam a minha imagem pessoal. Apareço profissionalmente nos trabalhos que faço. Mas depois não ando aí nas festinhas do croquete [risos]. Não é que eu tenha nada contra isso.

Ao longo deste tempo já fez quase todo o tipo de personagens. Já foi uma adolescente rebelde, uma santinha, passando por uma vilã. O que lhe falta fazer?

Falta fazer tudo. Há sempre coisas para fazer.

E o que é que gostava de fazer?

Adorava fazer uma personagem que vi numa novela brasileira, uma tetraplégica, por exemplo. Adorava. Coisas desafiantes. Nós ambicionamos sempre coisas que não tenhamos feito, como é óbvio. Não queremos fazer coisas que já fizemos, mas acho que o que tiver de ser será. Acredito que o destino nos está reservado.

Esta é a sua segunda protagonista. É um papel que lhe estimula fazer?

Não, de todo. Não é de todo uma coisa que ambicione por ser a protagonista. Não me interessa se é a protagonista, se é a que passa lá atrás. O que me interessa é que o que estou a fazer me dê prazer. E as personagens que fiz não eram consideradas protagonistas e se calhar deram-me mais prazer fazer do que esta. Não sei. Não é por ser a protagonista, até porque muitas vezes a protagonista boazinha é uma seca. É superentediante.

"Nasceu" na TVI, tem estado muito ligada à TVI. Já trabalhou na SIC, já trabalhou na RTP. Sente-se uma estrela do canal?

Não, de todo. Oh, meu Deus! Odeio essas conotações, esse rótulo de estrela, as estrelas estão no céu. Nós somos pessoas como todas as outras, estamos aqui a fazer o nosso trabalho. Sinto-me uma trabalhadora como qualquer outra.

Sente-se bem ligada à TVI?

Sim, porque sempre me trataram bem e porque me têm dado sempre trabalho e têm apostado em mim e confiado em mim.

Ainda se mantém exclusiva do canal?

Ainda. Até fevereiro do próximo ano.

A TVI não tem renovado os contratos de exclusividade. Tem receio de perder o seu?

Não, porque nós trabalhamos para onde tiver de ser e o que tiver de ser será, e se for na TVI, que bom, se não for será noutro sítio, no teatro. Há sempre coisas para fazer.

É fácil ser ator no nosso país?

Não. Mas penso que também não deve ser fácil em país nenhum, porque a cultura de uma forma geral é sempre o parente pobre. Claro que em quase todos os países é dada mais importância à cultura do que no nosso país de uma forma geral.

Fala-se muito de que devia haver um sindicato dos atores em Portugal. Concorda?

Claro que sim. A classe de uma forma geral devia ser mais unida. Devia haver um sindicado que funcionasse para impor os nossos direitos, que são muito esquecidos.

Alguma vez pensou desistir desta carreira?

Até agora não, porque tudo me correu bem. Não me posso queixar.

E se algum dia correr mal?

Não sei, logo verei. Não sabemos o que vamos pensar amanhã. Claro que podemos fazer planos. O meu plano de vida profissional é ser atriz enquanto puder ser. Até já não conseguir mais. Se um dia me faltar trabalho nesta área, claro que tenho de me fazer à vida como qualquer outra pessoa. Estou a tirar um curso de psicologia, se isso acontecer será psicologia, se não for psicologia será outra coisa qualquer.

"Aos quatro anos já queria saltar para a televisão"

De onde é que veio esta paixão pelo mundo da representação?

Já nasceu comigo. Não me lembro de ter um click "ah, quero ser atriz". Lembro de sempre querer ser atriz. Aos 4 anos já queria saltar para a televisão. A minha mãe diz que eu queria ir lá para dentro.

Ainda se lembra do seu primeiro casting?

Lembro, claro. Foi o primeiro e o último casting que fiz na minha vida.

Que recordações tem?

Tenho memória de estar muito nervosa. De ir com o meu avô, que me levou lá. Esteve horas e horas na fila comigo à espera só para me darem o papelinho para decorar para lá ir depois.

O que é que fez nesse casting?

Era a minha personagem do Amanhecer. O texto que disse no casting foi o texto de uma cena que eu depois fiz na novela. Era uma cena de quatro páginas, lembro-me perfeitamente. E quem estava a dar contracena era a Alexandra Leite a Sofia Nicholson. Lembro-me de que quando chegou a minha vez, quando chegámos às duas páginas de texto elas disseram que estava bom, que eu já não devia saber o resto e eu sabia a cena toda, como é óbvio, se eram quatro páginas eram quatro, não eram duas [risos].

O que lhe disseram no final?

Elas ficaram a estranhar eu saber o texto todo e quando acabei o casting deram-me os parabéns, disseram-me que tinha feito bem.

Tinha 11 anos. Que recordações guarda da novela Amanhecer?

As melhores. Foi assim um sonho. Não pensava que fosse possível. De há 11 anos para cá houve um salto muito grande na ficção nacional. Há 11 anos não havia Morangos, sequer. Não havia a quantidade de jovens na televisão que há hoje. Crianças muito menos. Achava que era quase impossível ficar, até porque eram quase quatro mil pessoas naquele casting e achei que era completamente impossível, mas fui porque era o meu sonho. Ao ficar e ter feito aquele projeto com atores que nunca pensei sequer conhecer, quanto mais trabalhar com eles, foi ótimo e trataram-me muito bem. Eu era a menina, andava sempre ao colo. Eu e o Diogo [Simões].

Nessa altura era mais difícil entrar no mundo da representação do que é agora?

Sem dúvida. Os Morangos deram oportunidade a milhares e milhares de jovens. Depois isto veio banalizar de alguma forma, não o projeto Morangos com Açúcar, de que adorei fazer parte, mas de alguma forma a profissão de ator banalizou-se nos últimos tempos, sei lá, pelas revistas cor-de-rosa, pelo que se fala... De repente, toda a gente quer ser ator. Basta ter um corpinho bonito para aparecer na televisão e isso não é bom. Agora é mais fácil chegar até aqui.

A Sara de 11 anos era muito diferente da Sara de 22?

Não. Continuo a ser a mesma Sara. Com um bocadinho mais de maturidade. Mas os sonhos que tinha são os mesmos. A maneira de ver a vida e as pessoas é a mesma. A minha maneira de estar é a mesma. Gosto de rir, gosto de me divertir a trabalhar. E já gostava naquela altura.

O que é que a fascinava neste mundo?

Representar. Não era o aparecer. Não era nada disso. Queria ser atriz, não queria aparecer na televisão. A minha mãe diz que eu dizia que queria trabalhar lá dentro. Não diz que queria aparecer lá dentro. Eu queria trabalhar, porque sempre gostei de representar. Lembro-me de na escolinha fazer peças e a minha professora chamar a minha mãe e dizer que eu tinha talento para as artes. Era o meu sonho.

E ainda continua a ser aquilo que a fascina?

É, claro. Não há outra coisa que me fascine. Dar vida a outras personagens. Ser outras pessoas. Levar o público às emoções. Ao riso, ao choro. É sentir esse poder e sentir também as coisas que essa personagem está a sentir. Emprestar o nosso corpo, a nossa voz, a nossa alma àquela personagem. E, de repente, é quase como uma possessão. Quando supostamente alguém tem de ser exorcizado porque tem um demónio no corpo, visto de uma forma mais positiva, é isso que nos acontece.

Ficou no primeiro casting em que participou. Não foi difícil entrar, mas é difícil manter-se?

Sim e não. Sim, porque é difícil conseguirmos vingar nisto. São milhares de pessoas. Não, porque nunca tive de fazer esse esforço, porque era natural em mim esforçar-me. O meu trabalho e o meu empenho sempre foram naturais em mim.

Aos 22 anos já tem 11 anos de carreira. Ainda tem um grande percurso pela frente?

Espero ter um imenso percurso pela frente. Se com 22 anos não tiver um percurso enorme pela frente então alguma coisa vai acontecer muito má.

Porque é que a Sara conseguiu vingar neste mundo?

Não sei. Não posso responder a isso. Têm de ser as outras pessoas que avaliam o nosso trabalho. Para isso é que servem os júris, o grande público, e ainda bem que existe porque é para o público que nós trabalhamos e é o público que faz o nosso sucesso. Se estou aqui, obrigada ao público, que me tem acompanhado e que tem gostado dos projetos que tenho feito, mas só ele e as pessoas da minha área, com muito mais sabedoria do que eu, é que podem responder porque é que estou aqui hoje.

Considera-se uma boa atriz?

Bem, se não fosse boa atriz já não estava cá. Mas é claro que nós somos sempre os nossos maiores críticos. Também já deve saber esta frase de cor. Todos dizem e é verdade. Temos sempre alguma coisa para apontar. Achamos sempre que podíamos fazer melhor. Mas devo ser de alguma forma boa atriz, caso contrário não estava cá hoje a trabalhar ao fim de alguns anos.

Como lida com a crítica?

Adoro que critiquem o meu trabalho, porque é com as críticas que aprendemos. São essas críticas que nos fazem pensar. Quando veem corrigir-nos, os diretores de atores, o realizador, os encenadores e outros colegas atores. Isso é ótimo. Então para que se estuda nas escolas de teatro? É para ouvir críticas.

Não tem formação. Nunca sentiu falta?

Sinceramente, até hoje, não, porque a maior formação é trabalhar. Mas isso é o que me dizem os atores que me ensinam. Dizem-me que não há nada melhor do que estar aqui a aprender. Seja no palco seja nos estúdios. É aqui que está a experiência. Podemos andar a estudar uma vida inteira e não nos vai servir de nada se nunca o aplicarmos. Começa pela experiência. Agora o estudar enriquece-nos.

Mas gostava de fazer?

Para já, não é um projeto para mim ir fazer um curso de trabalhar. Quero mesmo é trabalhar.

Gostava de apostar numa carreira internacional?

Todos os atores gostavam de ter essa experiência. Mas isso é por ser outra experiência. Exatamente diferente da experiência a que estamos habituados. Trabalhar com outra cultura, outras pessoas, outros métodos de trabalho. Gostar, claro que gostava. Gosto muito do Brasil. Acho que eles estão muito mais desenvolvidos do que nós na cultura toda e têm muito teatro, têm muito cinema, muita televisão. Lá, há muito trabalho e eles também são muito mais do que nós. Mas não tenho preferências.

Já deixou uma marca na ficção portuguesa?

Espero que sim. Espero que de alguma forma tenha marcado pela positiva os que trabalharam comigo e os que me viram trabalhar.

Nunca se sentiu deslumbrada com este mundo?

Não, não.

Mas é fácil as pessoas deslumbrarem-se com este mundo?

Depende da cabeça de cada um. Depende da educação e da formação de cada um.

E acha que há muita gente deslumbrada?

Há, isso há.

Lida com pessoas assim?

Claro. Temos de lidar com essas pessoas. Vivemos numa sociedade. Mas existem pessoas boas e pessoas más em qualquer profissão e nós temos de saber lidar com elas.

"Ser ator não é ser uma figura pública"

É fácil para si estar constantemente sob o escrutínio das pessoas?

Se é fácil? Não. Tento lidar o menos possível. Tento manter a minha vida privada o mais privada possível exatamente porque é privada e devia ser privada. Muitas vezes não é possível porque invadem a nossa privacidade.

É constantemente um alvo da imprensa. Porque acha que há tanto este interesse?

Porquê? Porque me casei com um homem 27 anos mais velho do que eu. Mas isso é óbvio. Aliás, só passei a ser um alvo para a imprensa ao casar-me com um homem 27 anos mais velho. E isso é péssimo e a culpa é da imprensa. As pessoas, o público só passou a ter esse interesse e passou a achar estranho. OK, claro que há sempre pessoas que têm mais preconceito do que outras, tudo bem, mas de uma forma geral as pessoas só passaram a ter a luzinha acesa porque a imprensa acendeu essa luz. Deu o holofote para cima de nós e bora lá falar de uma coisa que não tem o que falar. Somos um casal como qualquer outro casal de que se fala nas revistas, infelizmente, porque se tem de falar sempre de alguém. Somos um casal de atores normal.

Mas já deram entrevistas juntos...

Temos de dar. Na nossa profissão é necessário e temos de dar. Falar do nosso trabalho, agora falar da nossa vida pessoal não. Isso não temos de dar porque somos atores. Há uma coisa que ninguém entende. Ser ator não é ser figura pública. Para mim são coisas diferentes. Tornamo-nos figuras públicas porque somos atores. Mas nós somos atores. E enquanto atores não temos de falar da nossa vida pessoal. E eu nunca abri essa porta. Ela foi invadida naquilo que pôde ser, naquilo que nos ultrapassa, naquilo que as pessoas falam sobre nós.

De que forma é que todas estas informações que são públicas influenciam a vossa vida? Como lidam com isto?

Não influenciam de maneira nenhuma. As pessoas não têm noção de quão felizes somos.

Sente que as pessoas olham para si só como a rapariga que casou com um homem 27 anos mais velho?

Se olham não me interessa. Não me interessa o que essas pessoas pensam.

Numa altura de crise como esta que o país atravessa que mudanças fez na sua vida?

Reduzir os gastos, como toda a gente. O que é que se pode fazer?

Também sente a crise...

Claro. Sei que as pessoas têm essa ideia de que somos milionários, mas é mentira. Não somos milionários. Quer dizer, há uns que ganham mais do que outros. Isso, pronto, deve-se ao percurso, ao talento, não interessa qual é o motivo. O que fazemos quando estamos em crise, quando os impostos aumentam e os ordenados não? É obviamente reduzir os gastos, as despesas pessoais.

Sente-se uma atriz bem paga?

[Pausa] Essa pergunta... prefiro não responder.

Como olha para o estado da cultura no nosso país?

É péssimo.

O que tem de ser mudado?

É uma mudança urgente. A começar pela educação nas escolas. A cultura devia andar a par com a edução. Os miúdos desde pequenos deviam ter mais acesso ao teatro, à cultura de uma forma geral, porque a arte não é só a televisão e não é só a arte de representar. São poucas as escolas que têm artes dramáticas, teatro, e as que têm, eu pelo menos lembro-me de que na minha escola secundária tinha uma oficina que era teatro para quem queria fazer, mas que ainda por cima era mais ligada às artes circenses, o que é ótimo, ainda bem, mas falta mais. Não só as artes circenses. Temos a pintura, a escultura... Isso é pouco instruído.

A identidade cultural do país está a perder-se?

Sim. Aliás, muitos teatros já fecharam, outros vão abaixo para construírem centros comerciais ou outras coisas. Está a ficar pior por culpa do Estado, do governo, que não investe e que não quer saber. Lá está. O parente pobre é sempre a cultura. Pronto, temos de cortar, vamos cortar na cultura. Torna-se difícil para nós, atores, sobreviver a isto e continuar e persistir e a levar a cultura às pessoas. Depois também acho que a televisão, e lá está, contra mim falo porque tenho feito imensa televisão, veio desabituar as pessoas de irem ao teatro. Até videoclube há na televisão. Os videoclubes foram todos à falência. Há muitas tradiçõezinhas que se foram perdendo por causa do crescimento da televisão. O que por um lado é ótimo, ainda bem que dá trabalho, mas por outro lado não. O que quero dizer é que se devia arranjar um equilíbrio. E não deviam acabar umas coisas para evoluírem outras. Devia evoluir tudo. Lá está, no Brasil têm três vezes mais televisão do que nós, mas também têm três vezes mais teatro e três vezes mais cinema. Têm tudo.

Estreou-se no teatro no ano passado. Era um desejo antigo?

Era. E ainda não tinha tido essa oportunidade, lá está, porque temos pouco teatro e o que temos muito não é subsidiado, e depois os grupos são aqueles que já existem. Lá está, é muito difícil entrar assim no teatro. E surgiu, o Zé queria muito fazer uma coisa nossa, melhor ainda porque assim pude estrear-me mais rapidamente do que se continuasse à espera de que houvesse um convite e foi ótimo. Estou a adorar.

Agora que já se estreou nos três "palcos" qual é seu palco principal?

É o teatro, sem dúvida. Porquê? No que diz respeito à arte exclusivamente de representar é três vezes melhor porque é o único meio em que temos contacto direto com o público. E não há nada melhor do que isso para o ator. Claro que gravar uma cena é bom, temos a equipa, que faz 50 cenas todos os dias, com 50 atores diferentes, portanto não há nada de novo nesse sentido. E o público não. É todos os dias diferente, todos os dias vamos obter uma reação diferente.

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