São Vicente e Granadinas. Aqueles portugueses com origem madeirense
Já lá vão largos anos em que o jovem Ralph Everard Gonsalves escreveu "History and the future: a Caribbean perspective" (1994). Ele é descendente de portugueses da Madeira. Presentemente, é o atual primeiro-ministro de São Vicente e Granadinas e líder do Partido da Unidade Trabalhista. O papel do seu país, que ainda pertence à comunidade britânica, está bem explícito no contexto em que o autor lhe dá numa perspetiva histórica e de futuro no quadro dos diferentes países caribenhos. São Vicente e Granadinas tornou-se independente a 27 de outubro de 1979. Passadas quase três décadas sobre a edição do livro, o turismo cresceu em muitos destes países, mas São Vicente e Granadinas é exceção em termos de ainda não ser tocado pelo turismo de massas. Historicamente, as ilhas já são habitadas há mais de 4000 anos, segundo os últimos dados de investigação. Nessa época, habitavam nelas os "ciboney", que talvez tenham sido os primeiros moradores das ilhas. Posteriormente, apoderaram-se destas terras os índios "arawak" e depois os "caribes". Apenas no século XVIII se fala da chegada de franceses e ingleses, que disputaram violentamente a posse do território através dos tempos seguintes, levando a melhor a Coroa Britânica (1783). Com o fim da escravatura (1834), os braços de trabalho diminuíram e as plantações ressentiram-se. Foi nessa época que portugueses oriundos da Madeira ali chegaram a partir de 1840, mas as condições de trabalho foram penosas, tanto para os ex-escravos quanto para os imigrantes contratados. Os baixos preços do açúcar mantiveram a economia estagnada até ao final do século, mas muitos portugueses resistiram. Em Kingstown, conversei com George, que trabalha numa empresa exportadora de coco para o Reino Unido. Tal como o primeiro-ministro, ele provém desse contingente de madeirenses. O seu tetravô foi o primeiro da família a chegar e logo começou a trabalhar na plantação de banana. Desse antepassado, já não tem o apelido português, dado que a linha sucessória teve mulheres, sendo que o apelido dos maridos, alguns nativos, é que vingou. Apesar das relações políticas com Inglaterra, 4% da população de ascendência europeia do país é maioritariamente de origem portuguesa. Ele, para além de trabalhar por conta de outrem, tem na sua mulher o apoio na produção artesanal de doçaria à base de coco, que encetaram fazer os dois. Aliás, a cozinha tradicional gira em torno da grande variedade de frutas existentes no território. Qualquer prato adquire um sabor muito especial se acrescentarmos, por exemplo, um pouco de coco, como o frango em leite de coco, mas é das sobremesas ou guloseimas que aquela família se ocupa, como as tortas e os sorvetes. Sentados numa esplanada a beber água de coco, porque o coco em fruto verde só é gostoso quando tem a água para beber, George referiu-me: "O turismo nestas ilhas ainda está longe da exploração em massa a que se assiste noutras ilhas da região, até porque temos o nosso lema de país - Que a paz reine de costa a costa." Esta frase dá para pensar no binómio paz e turismo, cada vez mais importante no xadrez do turismo internacional. Concordei com ele e disse-lhe da necessidade de uma revolução no pensamento e da necessidade de se ter uma visão de desenvolvimento humano equitativo, um planeta saudável, uma economia duradoura. Andamos a dizer isto há décadas no quadro das políticas governativas. Porém, o sucesso contínuo a longo prazo da indústria das viagens e turismo no mundo será determinado pela extensão em que ela pode contribuir para os novos paradigmas e para um mundo em paz. E é nas pequenas coisas que parecem insignificantes que a encontramos, com as devidas distâncias, tal como o mais saboroso gelado de coco que eu comera até esse momento, perante vulcões adormecidos e uma paisagem deslumbrante.
Jorge Mangorrinha, professor universitário e pós-doutorado em turismo, faz um ensaio de memória através de fragmentos de viagem realizadas por ar, mar e terra e por olhares, leituras e conversas, entre o sonho que se fez realidade e a realidade que se fez sonho. Viagens fascinantes que são descritas pelo único português que até à data colocou em palavras imaginativas o que sente por todos os países do mundo. Uma série para ler aqui, na edição digital do DN.