São mesmo bons os dirigentes de empresa Indianos?

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Pergunta-se muito nos últimos tempos como é que de um momento para outro começaram a surgir dirigentes de topo, de origem indiana, em organizações multinacionais de prestígio, sobretudo de tecnologia. Antes, nem se falava neles ou estavam num lugar de subalternidade.

A verdade é que os Estados Unidos deram grande notoriedade a um facto que na Europa se tentou ignorar: em diferentes disciplinas como engenharia, informática, medicina, direcção de empresas, etc. de repente nas melhores universidades dos Estados Unidos, os Indianos começaram a afirmar-se. Isso acontece porque os EUA respeitam o mérito individual e porque a abolição da escravatura e do apartheid, com longa presença e sofrimento, teriam criado uma nova sensibilidade à justiça, ao valor de cada pessoa, com independência das origens, da cor da pele, ou da etnia?

Deve ser esse o caso, porque na Europa tal sensibilidade é difusa. Apesar de muitos indianos na Inglaterra, nunca se ouviu qualquer referência elogiosa a algum deles...

De há uns tempos apareceram mais de trinta dirigentes Indianos a ocupar postos de topo. E muitíssimos mais num plano de ascensão. Contudo, são muito poucos em valor absoluto e insignificantes em percentagem da população da India.

Uma vida exigente de trabalho, ensina e prepara. Os norte-americanos, pragmáticos e empiristas, apegam-se aos factos e tiram as suas conclusões. Eles observaram que muitos engenheiros indianos formados na rede dos IIT- Indian Institute of Technology vinham muito bem preparados, acabando depressa por ocupar posições de destaque. Muitos outros eram criadores ativos de start-ups, e dezenas de unicórnios na Silicon Valley e outros centros de tecnologia e Inovação dos EUA.

A pergunta inevitável: Por que vêm tão bem preparados? Todos os professores e deans dos IIT eram unânimes em afirmar que o ensino era igual ao de qualquer escola de engenharia nos EUA ou EU. Porém, havia uma grande selecção e os muito bem qualificados entravam nos IITs.

Não ficaram convencidos e algumas estações de televisão entrevistaram mais professores, ex-alunos e mais deans. Um dean notou que o seu filho tentara entrar e não conseguira. Agora o seu filho estava a estudar no MIT (Boston) com uma bolsa de Estudo...

Com muitos candidatos num país com uma população grande há uma percentagem de muito bons, bons, suficientes, medíocres e maus, como é normal. Os muito bons, embora poucos em percentagem, podem ser infinitos em número, na população da India, e deixam a impressão de que todos eles são muito bons.

Em 2010 havia 452.000 candidatos para 9.500 vagas em 15 IITs e mais de 2 Escolas equiparadas. Apesar de só entrarem os 9.500, todos os outros, que fizeram uma cuidada preparação prévia, estarão num nível de conhecimentos muito elevado, e a sua preparação permite fazer um bom curso noutra Escola e ter depois uma boa carreira profissional.

Os desafios levam a fazer um trabalho inteligente. A colonização britânica deixou a Índia completamente espoliada, com fome e mortes. Ainda há muita pobreza, analfabetismo, péssimas condições de vida. E por isso há também uma consciência cada vez maior do "outro", que tem fome, que sofre de doença, de falta de trabalho, etc. Quando os britânicos saíram do país, a Índia produzia menos de 3%, quando á sua chegada produzia mais de 27% da riqueza mundial.

Uma primeira característica posta à prova: os conhecimentos e a capacidade de trabalho, de um trabalho ordenado, exigente e disciplinado. A falta de instituições de ensino superior transforma-se numa vantagem ao criar uma boa selecção.

Com forte estímulo da família. Em geral, nas famílias respira-se uma grande unidade e os Pais vivem para os filhos e estes querem corresponder com bons resultados escolares. As famílias em geral são muito pobres e as crianças percebem logo os sacrifícios dos pais feitos em silêncio, para as manter na escola e levá-las ao Ensino Superior. A sua resposta é de uma dedicação sem reservas e incessante ao estudo, para corresponder aos sacrifícios dos pais.

As aulas são seguidas com muita atenção. Nem sempre há recursos para comprar e estudar livros e muito menos de referência opcional. Isso impõe uma disciplina para aproveitar bem as aulas, com os temas bem compreendidos. Quando surge uma dúvida, ela obriga à reflexão, a aprofundar para compreender os fenómenos e imaginar soluções, o que melhora o conhecimento das realidades em questão.

Sensibilidade às necessidades dos outros. Em muitos casos, além dos próprios estudos, se se é um bom aluno, também toma a responsabilidade de ajudar os irmãos mais novos nos estudos; e muitas vezes os vizinhos colam-se, procurando uma mão amiga que os possa ajudar. E tudo com normalidade, como acontece com as populações pobres.

Em muitas situações, ajudam nas tarefas domésticas, na agricultura, nas actividades artesanais, para melhorar o rendimento familiar. O sentido de responsabilidade surge com espontaneidade e está bem enraizado.

Não importam as condições físicas externas. As condições meteorológicas estão longe de serem aceitáveis. O clima é geralmente muito quente e húmido, causando dores de cabeça e fazendo suar todo o dia. Durante parte do ano é chuvoso, com fortes ventos de monção, com inconvenientes claros, mas que pelo menos amenizam a temperatura. Porém, raramente um jovem deixa de trabalhar por causa do calor ou da chuva; e vão para a escola como se nada fosse, e não há dor de cabeça que resista, porque o dever de estudar está muito internalizado. Isso cria hábitos de trabalho árduo que acompanham ao longo da vida

A instrução é o factor crucial de libertação para o povo e para a sociedade. Todos os preconceitos baseados na cor da pele, as "castas" inventadas, etnicidade e religião, sempre usados contra os pobres e os mais vulneráveis, para serem explorados pelos ricos e poderosos, são rapidamente superados com a instrução.

É digno de nota que em 2006, 12,8 milhões de estudantes estavam no ensino superior. Em 2013 já eram 26 milhões, número previsto apenas para se alcançar no ano de 2020! Em 2020/21 já era de 41,4 Milhões. É a evidência de que a classe média indiana está crescendo com uma dinâmica formidável para levar seus filhos muito longe nos estudos.

É de esperar que num futuro próximo haja mais orçamento do Estado dedicado à educação, para que nenhum jovem, com capacidade e vontade, fique impedido de estudar por falta de meios; e que possa haver abundância de bolsas de estudo ou outros auxílios, nomeadamente empréstimos bancários com baixo juro, para avançar.

Quase todos os estudos superiores altamente selectivos, além da Engenharia, a Medicina e a Direcção de Empresas, têm sido da parte da India fonte de abastecimento de profissionais de alta qualidade para quase todo o mundo rico, como os EUA, UK, Austrália, Canada, Nova-Zelândia, Alemanha, etc. E quase não há Business School nos EUA que não tenha muitos bons professores ou reitores indianos, como é o caso da Harvard Business School e outras desse nível.

Professor da AESE-Business School (Portugal), do I.I.M. Rohtak (India), autor de "O Despertar da India"

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