São Luís, a ilha encantada
O que primeiro impressiona são as texturas verdes no trajeto aéreo. De seguida, os prédios esculpidos na paisagem como um puzzle saliente. Depois é o odor tropical e o bafo quente que deixa um rasto de humidade na pele, como um beijo. E, mais tarde, as gentes, tão envolvidas com a cultura maranhense, naquela que é chamada a Ilha do Amor. Quando aterro em São Luís do Maranhão, no Brasil, no Atlântico Sul, às cinco da tarde, ainda estão 34 graus. A noite não será muito diferente.
Na recolha das malas ouve-se acordes de sanfona e a voz de uma mulher grávida: "Ai Chico, tô com desejo de vontade." Eles: personagens do folclore regional, representando a lenda do bumba meu boi. Por aqueles dias de final de junho, "bois gigantes" de tecido e madeira saíram à rua, em festa, no centro da cidade, ao ritmo de percussão: matraca, pandeirões, tambor de onça, zabumbas, tambor de fogo e maracá, um instrumento feito de lata e cheio de chumbinhos. A história: ela, a escrava Catirina, grávida, diz ao marido, Pai Francisco, que quer língua de boi.
O escravo mata o animal e é preso. O dono da fazenda pede ajuda a curandeiros indígenas: o boi ressuscita encantado.
O dia vira breu às seis da tarde. E cai um "toró", essa chuva tropical furiosa que nem por isso alivia o bafejo quente desta cidade, fundada por franceses e, depois, colonizada por portugueses. Terra fértil em lendas, também guarda a sua exceção para a forma como eles conquistaram esta cidade, em 1615, hoje com cerca de um milhão de habitantes. Foi na Batalha de Guaxenduba, que virou lenda. No livro História da Companhia de Jesus na Extinta Província do Maranhão e Pará (1759), o religioso José
de Moraes refere a aparição de Nossa Senhora da Vitória entre os batalhões portugueses, transformando areia em pólvora e seixos em projéteis. Imagino-os na peleja sob esta chuva furiosa e este calor implacável. Seria fruto de encantamento?
No dia seguinte, durante a incursão diletante, entre o almoço de arroz cuxá e o lanche de tapioca com queijo coalho, perco o lenço vermelho. Retrocedo ao passado desse dia, para o encontrar, e um homem no alfarrabista Poeme-se, que visitara horas antes, garante que o recuperou. Deixou-o numa cadeira vermelha no mercado das tulhas. Afiança: "Ninguém o levou, porque é coisa sagrada e, colocado na cadeira, é oferenda para santo." O lenço estaria no lugar prometido.
À noite conheço uma portuguesa do Porto, Tatiana Coelho, que mora entre a Alcântara (Maranhão) e o Rio de Janeiro. Vamos à festa na Praça São Pedro e o grupo Criolina vai lá tocar, antes das apresentações do bumba meu boi e da dança das índias que não chegaria a ver. Mais tarde, aparece outra portuguesa-maranhense, Bárbara Leite, para se juntar à festa.
Conhecemo-nos há menos de três horas. Ficamos à conversa. "Nunca vi tantas portuguesas juntas numa noite só em São Luís do Maranhão". Alguém dirá que deve ser magia da ilha encantada.
Jornalista