São Cristóvão e Neves. O paraíso por Rachel Ritfeld
Na extensa varanda de uma das casas coloniais de inspiração inglesa, estava na minha hora do pequeno-almoço quando fui surpreendido pelo funcionário do hotel, que se acercou e deixou um jornal local. Desviei o olhar da vista soberba para a montanha e para o mar. Eu tinha chegado na véspera àquele Estado federal constituído por duas ilhas que lhe dão nome, formalmente designado Federação de São Cristóvão e Neves, o menor Estado soberano da América, tanto em extensão territorial quanto em número de habitantes. Rachel Ritfeld tinha chegado alguns meses antes do início da pandemia, como fiquei sabendo. A modelo e atriz londrina abraçara um novo desafio na vida. Procurei-a na cronologia do seu perfil do Facebook, aproveitando as imensuráveis possibilidades das redes sociais. Ela partira de Londres, mas não assumira publicamente e de imediato qual o seu futuro nesse país: "Saboreando cada momento. (...) Ficámos na deslumbrante Butlers House, em Nevis, e este lugar mágico revigorou-me e permitiu-me apenas tirar algum tempo para mim e Rosie [a filha], e a natureza. Senti-me forte. Senti que, independentemente do que a vida me oferece, estou a fazer o melhor que posso para o fazer e conquistar." E revela mais adiante: "Começo amanhã um novo capítulo na minha vida. Uma nova oportunidade de carreira, pela qual estou muito grata, sinto-me muito emocionada. Uma mistura de esperança, imensa gratidão, alguma incredulidade, energia positiva e tantas outras emoções que nem consigo descrever." No dia seguinte: "Que primeiro dia fantástico! Muito obrigado por todas as vossas mensagens de apoio e maravilhosas. Muitas coisas novas admiráveis para aprender, mas já amo muito. Eu tenho flores bonitas e a minha chávena na minha secretária. O que mais eu poderia desejar!" No início do ano seguinte, Rachel voltou para Londres e levou dois gatos: "Meus bebés lindos que se mudaram de St. Kitts via Miami para Londres!", diz ela carinhosamente. Alguns meses depois, consegui falar com Rachel, a 22 de novembro de 2022, extremamente amável e disponível para contribuir para esta história: "Tive uma próspera carreira de modelo em Londres e trabalhei em todo o mundo durante mais de 20 anos, mas queria tentar algo completamente diferente e apaixonei-me por St. Kitts, quando fui convidada para uma viagem de imprensa. (Eu também sou uma escritora de viagens). Mudei-me para lá com a minha filha em janeiro de 2019, inicialmente o plano era ficar três meses. Mas gostámos tanto do sítio, das pessoas, do estilo de vida que decidimos ficar... no final ficámos três anos e tive uma mudança total de carreira. É uma ilha em ascensão, pelo que há muitas oportunidades de negócios. Primeiro, ajudei a lançar uma marca de rum que promovi nas Caraíbas. Durante a pandemia, a empresa parou totalmente a produção e procurei outra oportunidade. Agora ainda trabalho para um banco privado em Nevis. Eu considero-me uma embaixadora não-oficial do país. O meu sonho profissional não foi, portanto, desfeito pela pandemia." E como há frases que se não devem traduzir, sobretudo as mais belas, deixo esta na forma original do inglês: "I got the change I wanted from London... my daughter got the caribbean lifestyle she wanted... it was amazing." Este é o paraíso de que nos fala Rachel Ritfeld. Paraíso na terra desde os tempos de "Liamuiga", nome usado pela tribo local (os "caribes") para identificar "São Cristóvão" e que é traduzível para "terra fértil". Já o nome de "Neves" era "Oualie", significando "terra das belas águas". A economia do país é baseada na refinação do açúcar, no algodão, no melaço, nas frutas, no coco, nos legumes, na pesca, no turismo e nos ativos financeiros. Cerca de 13 quilómetros a oeste da capital, encontra-se Brimstone Hil, uma fortaleza erguida no cimo de um rochedo de 215 metros de altura, sendo um dos monumentos históricos mais importantes das Índias Ocidentais, que levou 100 anos a construir, por mão-de-obra escrava africana durante os séculos XVII e XVIII. A fortaleza era conhecida como "Gibraltar das Índias Ocidentais". Foi estabelecida para administrar as plantações de açúcar, e a escravatura desempenhou um papel importante na história da nação com milhares de escravos traficados da África para trabalharem nas plantações de tabaco e açúcar antes de ser abolida (1834). A fortaleza foi abandonada em 1852, e hoje, felizmente, os seus canhões já não funcionam. Esta é uma terra de paz, apenas importunada por alguns furacões próprios desta zona do Planeta. Ali, só importa dizer "limin", que é a frase local para sair, relaxar ou divertir, com uma paisagem envolta de montanha e água. Porém, para além desta que é salgada, não nos podemos alhear da "água de cabra", um ensopado feito de ossos e carne de cabra, no hotel ou num dos restaurantes da capital, Basseterre, que significa "terra baixa" em francês e que confere ao porto da cidade um ancoradouro abrigado, tal como se abrigam nestas ilhas as mulheres bonitas do mundo.
Jorge Mangorrinha, professor universitário e pós-doutorado em turismo, faz um ensaio de memória através de fragmentos de viagem realizadas por ar, mar e terra e por olhares, leituras e conversas, entre o sonho que se fez realidade e a realidade que se fez sonho. Viagens fascinantes que são descritas pelo único português que até à data colocou em palavras imaginativas o que sente por todos os países do mundo. Uma série para ler aqui, na edição digital do DN.