São Carlos começa temporada com a 'Carmen' de Bizet
A temporada 2016-17 do Teatro Nacional de São Carlos arranca a 6 de outubro com um campeão absoluto de bilheteira: a Carmen de Georges Bizet, talvez a ópera mais popular do repertório.
A produção que chega ao teatro provém da English National Opera (em co-produção com a Ópera da Noruega), onde estreou em novembro de 2012, e é assinada pelo tão consagrado quanto controverso encenador espanhol Calixto Bieito. "Esta encenação já se tornou um clássico moderno - adianta Patrick Dickie, diretor artístico da casa de ópera lisboeta -, já foi à Ópera de Paris, à de São Francisco...".
No papel titular estará a mezzo/contralto sérvia Katarina Bradic, que se estreou como Carmen em 2010. Em Lisboa, ela contracenará com o Don José do jovem (30 anos) tenor sul-africano Lukhanyo Moyake, revelação recente na Europa. A direção musical caberá ao escocês Rory Macdonald (estreia em Portugal). Rory fez com a Carmen a sua primeira aparição operática na América do Norte (Canadian Opera Company), em 2010, e desde aí já dirigiu novas produções dessa ópera em Houston e em Santa Fé (EUA).
A Carmen terá em Lisboa cinco récitas. Apenas. "Não são tantas récitas como eu quereria", concede Patrick Dickie - "mas naquela altura do ano, era financeiramente muito problemático aumentarmos o número de récitas, pois isso poderia colocar em risco a viabilidade da ópera que se segue [ver abaixo]..." Em todo o caso, Patrick avança que "estamos em conversações com a RTP para que seja instalado um ecrã gigante no Largo de São Carlos para transmitir a ópera para quem quiser".
Ricardo Pais encena Stravinsky
Uma forma de atenuar as meras cinco récitas, mas que "salvou" o Rei Édipo/Oedipus Rex, a famosa ópera-oratório em língua latina de Igor Stravinsky e Jean Cocteau, que regressa ao Teatro 34 anos depois, dirigida por Joana Carneiro.
Nota de destaque para a encenação, confiada a Ricardo Pais, que volta a encenar no teatro de ópera 25 anos depois. "A ideia de chamar o Ricardo [Pais] foi da Joana [Carneiro] e pareceu-me tão atraente a ponto de se tornar irresistível. Ele apropria-se completamente das obras que encena e, numa obra lírica tão bizarra como Oedipus Rex, eu acho que ele irá transformá-la numa grande experiência teatral", considera Patrick Dickie. E conclui com um vaticínio: "Acho que o público não resistirá à curiosidade de ver/ouvir como resultará a colaboração dos dois". Cenografia e figurinos serão da responsabilidade de António Lagarto. E Patrick Dickie tem esperança de "levar esta produção a outros locais em Portugal".
No elenco pontifica o destacado tenor austríaco Nikolai Schukoff, ao lado da Jocaste da nossa Cátia Moreso.
Oedipus Rex estreia a 10 de novembro, seguindo-se mais duas récitas.
O regresso de Graham Vick
O "prato" seguinte aterra no território que é um must em São Carlos: a ópera italiana. Falamos da Anna Bolena de Donizetti, com estreia marcada para 4 de fevereiro, seguindo-se mais quatro récitas. A produção vem da Ópera de Verona e é assinada pelo nosso muito bem conhecido Graham Vick, um dos encenadores da primeira linha mundial, do qual em Lisboa mais nada se vira desde o marcante Anel do Nibelungo de Wagner (entre 2006 e 2009), se "esquecermos" a reposição do seu Werther há um par de anos.
No papel de Enrico VIII estará o baixo-barítono turco Burak Bilgili, de ampla carreira internacional, sobretudo em Itália e nos Estados Unidos. Giovanna Seymour será a norte-americana Jennifer Holloway, uma mezzo 'en route' para soprano que se estreou recentemente nos papéis de Adalgisa e Rosina e que em setembro será Salomé (Richard Strauss), na Semperoper de Dresden.
A direção musical marca o regresso de Giampaolo Bisanti, maestro milanês que se estreou há menos de dois meses em Lisboa, dirigindo o Requiem de Verdi no São Carlos - "convidei-o para dirigir a Anna Bolena durante um almoço em Lisboa, mesmo antes do Requiem", revela Patrick.
A obra mais que prima de Wagner
Um mês depois chega ao Grande Auditório do CCB o famoso Tristão e Isolda, de Wagner, após 32 anos (!) de ausência nas temporadas do São Carlos, numa nova produção assinada por Charles Edwards: "ele também é cenógrafo e designer de luz e a sua encenação, expressamente concebida para o palco do Grande Auditório, será muito despojada, assentando essencialmente no trabalho de luzes/iluminação, permitindo que o público se concentre no trabalho de direção de atores e nas interpretações propriamente ditas", explica-nos Dickie.
Ocasião para vermos pela primeira vez cá Elisabete Matos encarnar o papel protagonista, um daqueles em que firmou a sua reputação internacional. A seu lado estará o norte-americano Erin Caves, tenor que tem feito o essencial da sua carreira na Alemanha e que se estreou como Tristão com grande sucesso em Julho de 2014 na Ópera de Stuttgart, sob a direção de Sylvain Cambreling.
Depois do genial drama wagneriano, vem uma double-bill reunindo novas produções de Os Palhaços de Leoncavallo e de Der Zwerg ('O Anão') de Alexander Zemlinsky (obra em estreia no Teatro), com estreia marcada para 31 de março. A encenação será de Nicola Raab (encenou este ano The flowering tree, de John Adams) e a direção de Martin André, primeiro regresso do maestro britânico à casa de que foi diretor até julho de 2013. Dickie refere, a propósito, estar-se "em conversações com outros teatros para partilhar esta produção", além de que se trata de "um projeto que servirá de piloto para outras óperas em um ato que queremos fazer nos próximos anos".
Saldar dívida com Britten
A temporada lírica termina em junho, com cinco récitas (a estreia é dia 3) do Peter Grimes, de Benjamin Britten. E finalmente o Peter Grimes, porque esta era uma das grandes óperas do repertório que ainda não viera a São Carlos. Vem agora, 72 anos após a estreia em Londres. "Era uma 'dívida' de longa data e concordo que será o grande evento da temporada - reconhece Dickie - inclusivé em termos de se tratar de uma obra que convoca a totalidade das forças da casa".
A encenação, já "um clássico" para Dickie, é do prestigiadíssimo David Alden e provém de uma co-produção envolvendo a English National Opera, Ópera da Flandres, Ópera de Oviedo e Deutsche Oper de Berlim. A direção será de Joana Carneiro.
"Foi a primeira ópera de Britten e foi logo uma obra extraordinária! Britten mostrou que não tinha receio da ópera em grande formato e que não receava ancorar-se na tradição e assinou logo aqui uma das grandes óperas do século XX!", diz Dickie, com um entusiasmo que, dir-se-ia, a escolha do título teria sido sua, mas não: "a ideia foi da Joana, na verdade, mas obteve de imediato um apoio sem quaisquer reservas da minha parte!"
O elenco será encabeçado pelo consagrado tenor britânico John Graham-Hall.
Olhando para o conjunto da temporada, Patrick Dickie retoma o conceito de "panorâmica" de que falara em recente entrevista ao DN [edição de 20 de junho] e desvenda o "plano subjacente": "há três encenações teatralmente muito fortes e que são das mais marcantes que se viram internacionalmente nas últimas duas décadas [Carmen, Anna Bolena e Peter Grimes], misturadas com novas produções de cariz mais experimental e nas quais impera a subtileza".
Concertos sinfónicos e de câmara
Além da ópera, a temporada tem já alinhados oito concertos sinfónicos (cinco deles dirigidos por Joana Carneiro), sempre aos domingos, às 17.00, no Grande Auditório do CCB. Dentre as obras a interpretar, destaque para a Quarta Sinfonia de Bruckner (18 de setembro), a rara Sinfonia n.º 13 de Shostakovitch (20 de novembro), a Sinfonia n.º 1 de Mahler (15 de janeiro) e a Patética de Tchaikovsky (14 de maio).
Referência ainda para as estreias mundiais do Concerto para violoncelo de Luís Tinoco (escrito para Filipe Quaresma), a 19 de fevereiro; e de Paisagem Interior, de Clotilde Rosa (14 de maio).
Grande curiosidade suscitará ainda, decerto, a instalação inédita de Júlio Pomar a propósito da obra As sete últimas palavras de Cristo na cruz, de James MacMillan (9 de abril).
Entre os solistas ou maestros convidados contam-se nomes como Johannes Moser, Emil Tabakov, Simon Trpceski, Christopher Maltman, Filipe Quaresma ou Horácio Ferreira.
Finalmente, do que já se conhece da temporada clássica/de câmara, o destaque vai para dois concertos (19 e 21 de janeiro) dirigidos pelo especialista italiano em música do século XVIII Enrico Onofri, que nos habituámos a admirar à frente da Orquestra Barroca Divino Sospiro.