SANTIAGO SEGUROLA: Mestres do jogo

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Poucos apreciaram os grandes méritos de Espanha neste Mundial. A recordação do Europeu sobrepôs-se a um percurso cheio de obstáculos, que convidou a improcedentes comparações com a equipa que cativou os adeptos em 2008. A selecção espanhola conquistou aquele torneio de surpresa. Não era favorita, chegou cheia de dúvidas e ninguém apresentou um plano para desmontar o seu elaborado jogo. Os olhares assentavam sobre outros horizontes, como a Holanda ou a Alemanha.

O Campeonato da Europa teve a virtude de inaugurar um modelo de futebol espanhol. Durante décadas foi um país de jogo indefinido, sem outro slogan que não a fúria, um conceito ridículo mais associado à investida taurina que à astúcia futebolística. Esse conceito foi gerado durante o franquismo, como convinha a um regime totalitário que temia a inteligência.

À volta da fúria criou-se um mito prejudicial, que impediu o progresso do futebol. A que jogou a Espanha durante décadas? A nada. Não havia uma cultura definida. Toda a gente tinha uma ideia do que queriam Brasil, Alemanha, Itália ou Inglaterra. Tinham as suas identidades bem vincadas. A Espanha não.

Esta equipa transformou radicalmente a história. O seu êxito no Campeonato da Europa deve ser interpretado como o princípio de um caminho que se acreditou existir com todo o seu esplendor. Para trás ficaram 20 anos de debate, tensões e finalmente de reconhecimento de um estilo, o do Barcelona, do modelo que Cruyff começou a forjar e que se expandiu por toda a Liga espanhola. Seis jogadores - mais Villa - do Barça figuraram ontem entre os titulares. E essa gente tem umas convicções indestrutíveis.

A Espanha acabou por aceitar o modelo. Não foi fácil. Outros seleccionadores, como Javier Clemente, desdenharam esta forma de interpretar o futebol, mas a evidência acabou por se impor. Espanha pode ganhar ou perder - duas vezes nos últimos três anos - mas o seu estilo é tão singular, tão inconfundível, tão respeitador da essência do jogo, com tanta classe e bom gosto , que não admite comparações. Nenhum rival pode proclamá-lo mais alto que a Alemanha. Era a selecção que havia agradado a todos os analistas no Mundial. Frente à Espanha foi um boneco.

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