É uma das unidades fabris mais antigas do país e continua a laborar em plena cidade de Lisboa. A fábrica Sant'Anna foi fundada no século XVIII, antes do terramoto de 1755, "numa área mais central de Lisboa - na zona da Lapa e da Estrela - onde funcionou até ao início do século passado", recorda Francisco Tomás ao DN.."Com o desenvolvimento da cidade e o crescimento urbano, fomos obrigados a mudar-nos e a procurar uma localização mais distante. E viemos parar aqui à Calçada da Boa Hora, na Ajuda, onde ainda hoje permanecemos funcionamento", descreve o diretor comercial da empresa..As instalações mudaram de sítio mas o que nunca mudou foi o modo de produção dos azulejos e faianças, que se mantém um "processo completamente artesanal - desde a preparação da pasta de barro até à fase final do forno"..Na Sant'Anna produz-se essencialmente o "azulejo tradicional português", segundo a medida standard conhecida da cerâmica portuguesa, de 14 por 14 centímetros. E onde cada azulejo é "moldado, vidrado e pintado totalmente à mão", salienta Francisco Tomás, aproveitando para pôr fim a uma ideia comum sobre a azulejaria tradicional portuguesa. "O azul e branco é mito. Há muita gente que pensa que o azul e branco é o tradicional português ou que a palavra azulejo vem do azul. Nada a ver", assegura, deixando uma garantia: "Até antes de se fazer com azul e branco se fazia com cores e nós temos uma gama muito vasta de tons.".As cores são também misturadas e testadas de forma artesanal, para que todos os azulejos de um mesmo painel mantenham a homogeneidade cromática. Um processo longo que depende em grande parte da experiência dos artesãos e pintores e que envolve a realização de vários testes, uma vez que o processo de cozedura das peças pode alterar de forma significativa a cor final..Coloridos ou apenas azuis e brancos, os produtos de maior sucesso da Sant'Anna são os "quadrados de barro". "Vendemos sempre mais azulejo do que faiança. Até porque exportamos 85% do que produzimos e é mais fácil exportar azulejos do que exportar faiança. Desde logo por causa dos transportes", detalha o diretor comercial..E destaca algum padrão em particular como sendo o preferido? "Dentro da gama mais artística dos murais e dos painéis, aqueles desenhos com as caravelas quinhentistas e os motivos florais do século XVIII, serão talvez as categorias que mais procura têm", afirma..Os painéis de azulejo com os desenhos mais típicos continuam a ser bastante procurados, mas existem também muitos clientes que adaptam o tradicional ao seu gosto pessoal. "O nosso cliente, muitas vezes, pega nos nossos desenhos e personaliza-os a seu gosto, à medida da decoração da sua casa, das medidas que têm disponíveis, etc.", caracteriza Francisco Tomás..Uma parte significativa da clientela desta empresa com mais de 250 anos de história é composta de arquitetos e decoradores "em busca de produtos mais personalizados para projetos únicos, com medidas específicas e onde o azulejo tem de encaixar dentro do ideal que fizeram para determinado projeto - hotel, restaurante, seja o que for", explica..Os pedidos de colaboração neste tipo de projetos chegam de vários países, como os Estados Unidos, Brasil ou Canadá. E, na Europa, de países como Alemanha, Espanha, Itália, França, Reino Unido - "mercados que valorizam muito a história, o saber fazer artesanal, a qualidade e a unicidade".."Quando procuram aquele que é um material único em todo o mundo e com reconhecimento de qualidade como é o azulejo português, vêm inevitavelmente parar à fábrica Sant'Anna", garante Francisco Tomás..Para além dos desenhos padrão, a Sant'Anna recebe também inúmeros pedidos de painéis de azulejos personalizados. São solicitações que os artesãos não esquecem e que fazem parte da história da empresa "porque são sempre diferentes daquilo que é o nosso standard, o nosso normal", destaca o responsável com visível orgulho..Embora sem se alongar em detalhes acerca dos pedidos em concreto, Francisco Tomás revela que dos fornos da Sant'Anna já saíram painéis de azulejos para o antigo presidente dos EUA, Bill Clinton, para a antiga secretária de Estado dos EUA, Madeleine Albright, e para artistas como a cantora americana Barbra Streisand. "Temos um leque de painéis e trabalhos feitos para pessoas em todo o mundo que são sempre muito específicos. Desde os seus retratos, retratos dos cães, do gato... E são sempre projetos curiosos e que ficam na nossa memória", desvenda..Será que algum dia vai expor esses trabalhos no catálogo da fábrica? Francisco Tomás não admite essa hipótese. "Não publicitamos muito [esses trabalhos] porque gostamos de manter o anonimato do cliente. Aquilo que nós fazemos para casa deles, é para o seu seio privado. Não é correto estar a expor coisas que são do foro privado de cada um dos clientes.".Embora os painéis produzidos a pedidos dos clientes famosos (e menos famosos) não estejam expostos, há outros que estão bem à vista e podem ser lidos por todos. "A fábrica Sant'Anna é conhecida também pela sua vasta produção de toponímia para todo o país", afirma Francisco Tomás. "Em Lisboa, Oeiras e várias localidades no Alentejo, como Portalegre e Crato, existem muitos painéis toponímicos - com os nomes das ruas, com textos a assinalar espaços, locais, etc. - que fomos fazendo ao longo de décadas.".Esta larga experiência de "escrever em azulejo" é também uma das áreas que "deu um grande nome" à empresa. "E continuamos a fazer toponímias para todo o país e também a nível particular, seja com nomes de casas, de quintas, seja com textos, poemas." Apesar do sucesso, Francisco Tomás frisa que "não é uma área fácil de se pintar", porque "escrever em azulejo não é a mesma coisa que escrever em papel"..Apesar da longevidade que já acumulou a laborar na cidade de Lisboa, a Sant'Anna continua a ser desconhecida de muitos lisboetas. "Costumamos dizer que cá dentro não sabemos bem o que é que temos, apesar de sermos uma fábrica com cartas dadas ao longo de quase três séculos de história. Mas não deixa de ser curioso que é lá fora que nós mais somos reconhecidos. 85% daquilo que nós fazemos aqui é exportado para todo o mundo", afirma o diretor comercial..Questionado sobre o segredo do sucesso da empresa, Francisco Tomás não tem dúvidas em dizer que se explica pelo fator humano. "O universo da Sant'Anna é muito artístico. No total, somos cerca de 30 pessoas a trabalhar - oleiro, fornos, pintores, vidradores - a vestir a camisola pela arte portuguesa", refere. "Muitos deles trabalham connosco há 40 anos. Temos casos de três gerações da mesma família a trabalhar connosco". Podemos dizer que é um negócio familiar? Sem dúvida, considera. "Mudou várias vezes de família mas este tipo de negócios têm de manter-se neste tipo de estruturas pequenas. Não é um negócio de milhões de azulejos, nem nunca poderá ser. Porque se fosse teria, inevitavelmente, de perder qualidade", considera Francisco Tomás.."Uma das coisas que nos caracteriza é a qualidade artística de cada uma das peças de faiança, de azulejo, que fazemos aqui. E isso não pode mudar. Estamos a representar a azulejaria portuguesa em todo o mundo e temos de a representar bem", conclui..elsa.rodrigues@vdigital.pt