Santa Lúcia. O primeiro país em nome de mulher

Mala de viagem (157). Um retrato muito pessoal de Santa Lúcia
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Entre a Dominica, a norte, e os Barbados, a sudoeste, já descritos nestas viagens, Santa Lúcia é mais um daqueles paraísos caribenhos, do qual é possível destacar uma história da visita. Desde a sua independência do domínio britânico, em 1979, que o lema é: "A terra, o povo, a luz." Este pequeno país, em dimensão geográfica, tem já dois filhos seus galardoados com o Prémio Nobel: Arthur Lewis recebeu o Prémio Nobel da Economia em 1979, e Derek Walcott, o Prémio Nobel de Literatura em 1992. Ambos nasceram em Santa Lúcia. Talvez não seja por acaso que o hino nacional se chama "Filhos e Filhas de Santa Lúcia", tão importantes quanto o único vulcão "drive-in" do mundo. Este vulcão adormecido, as piscinas de água escura e enxofrada e os banhos de lama são as principais atrações. Não são poucos os autocarros estacionados em Sulphur Springs, que levam grupos de turistas a este lugar pleno de fumarolas e já munidos dos respetivos bilhetes para a visita e a experiência termal. Também os nativos estão bem presentes e vão em carros próprios e cheios. No local, espera-nos um guia de camisa verde-alface, porque é a farda comum, que nos conduzem às pequenas barracas para vestuário. Depois, fui ao encontro das águas e das lamas quentes. Com as mãos, besuntei-me completamente e saí, qual lagarto, à procura de sol. Enquanto a lama secava na minha pele, outros corpos assim "vestidos" faziam o mesmo. Só se viam os olhos. De resto, estávamos na mesma condição de como viemos ao mundo, todos de igual modo, mas de fato-de-banho impercetível. De seguida, voltei para a água morna e lavei a lama. Fiquei na esperança de melhorar das articulações e alcançar uma pele macia. De repente, não eram apenas os olhos que se distinguiam nas pessoas que me rodeavam. As peles e os fatos-de-banho também, acentuando a proliferação de cor. De regresso às indumentárias com as quais chegámos àquele lugar, abalámos. Alguns quilómetros depois, parámos numa tenda-restaurante para comer. Talvez nos alegrasse uma refeição típica, mas só havia piza, aquele "ser" cheio de curva, gostoso e recheado que os italianos inventaram e espalharam por todo o mundo. O cozinheiro era mesmo italiano, imagine-se o meu contentamento, porque em princípio o resultado seria melhor. Ele estava de passagem pela ilha, pois já viera de um "resort" da República Dominicana, construído pelos italianos (Club Dominicus), que conheci quando lá estive. Antonio nascera em Vecchiano e cursara o curso de Cozinha. Lembrei-me de que Antonio Tabucchi também vivera lá em criança, na casa dos avós, embora tivesse nascido na cidade de Pisa. Ambos eram toscanos, portanto. Embora a ideia fosse passar por diferentes restaurantes de Santa Lúcia, se as coisas corressem bem por ali, ele poderia criar um restaurante italiano em Castries, que é a capital do país e um importante porto de escala de navios de cruzeiro. Nesse instante, interroguei-me sobre o que faria correr um turista em Santa Lúcia para um restaurante italiano. Certo é que, à falta de comida local, também eu estava remetido à roda italiana. Esta chegou quente e apetitosa, regada com uma sangria branca em que havia muitos frutos. Antonio sentou-se na minha mesa por minutos e só nessa circunstância confessou: "Os meus bisavôs eram vizinhos dos avós de Antonio Tabucchi, e foi por ele que os meus pais me deram o mesmo nome." Quando nasceu, já o escritor era famoso. E acrescentei eu: "Ele casou e viveu em Portugal." Ele sabia, superficialmente, mas revelou desconhecer a obra do escritor. Aquele Antonio na minha frente era mais, não bolos, mas pizas. Era um tipo alto, bonito e com pinta de aventureiro. E veio dele a sua segunda confissão: "Enamorei-me, em Castries, por uma jovem nativa, que espera uma filha nossa. Já decidimos sobre o nome: Lúcia". Tinha lógica, pensei eu. Se "Antonio" inspirou "Antonio", "Santa Lúcia" inspirara "Lúcia", o primeiro filho em nome daquele país. Santa Lúcia é, de facto, o primeiro país do mundo com nome de mulher.

Jorge Mangorrinha, professor universitário e pós-doutorado em turismo, faz um ensaio de memória através de fragmentos de viagem realizadas por ar, mar e terra e por olhares, leituras e conversas, entre o sonho que se fez realidade e a realidade que se fez sonho. Viagens fascinantes que são descritas pelo único português que até à data colocou em palavras imaginativas o que sente por todos os países do mundo. Uma série para ler aqui, na edição digital do DN.

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