Santa Casa fez nascer 218 excêntricos e criou equipa para os apoiar

O Grupo de Apoio ao Alto Premiado nasceu meses depois de ter saído o primeiro prémio do Euromilhões a dois portugueses, em 2004. A exposição mediática e as dificuldades em lidar com tanto dinheiro levaram a Santa Casa a reunir especialistas para ajudar todos aqueles que ganhem um prémio superior a um milhão de euros
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Num dia, um era padeiro e o outro operário fabril. No outro, eram milionários e tinham amigos, conhecidos e muitos jornalistas a baterem-lhes à porta. Os vencedores do primeiro Euromilhões em Portugal ganharam 45 milhões de euros e tiveram de abandonar, por uns tempos, a localidade de Barcelos para assentar ideias. Sem saberem, foram eles que motivaram a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) a criar um grupo de especialistas de apoio a todos os jogadores que ganhassem mais de um milhão. Em oito anos, já foram 218 os excêntricos, só 73 deles é que ganharam o Euromilhões.

"Quando Portugal entrou no Euromilhões [em 2004] foi um grande sucesso imediato. O prémio não saiu, começou a haver a acumulação de jackpot e saiu em Portugal! O que foi um grande acontecimento", recorda Fernando Paes Afonso, responsável pelo Departamento de Jogos da SCML.

A lição para a Santa Casa veio depois. O nome dos vencedores tornou-se público e, em pouco tempo, "todos os órgãos de comunicação" falavam da vida dos novos euromilionários. "Foi uma grande lição para nós, não estávamos preparados para o impacto público e o interesse que aquilo gerou", confessa Paes Afonso.

Paulo Pereira, o padeiro que ganhou metade do primeiro prémio, diz que saiu do País por iniciativa própria. "Andei a viajar com a minha mulher para perceber o que ia fazer com o dinheiro", conta ao DN, sem nunca revelar pormenores dos destinos ou, mesmo, de excentricidades que tenha feito. "É verdade que fiz algumas, mas quando se ganha um prémio destes tem de se ser muito ponderado e ter cabeça fria." O agora empresário do ramo imobiliário continuou a trabalhar, "mas menos". "Eu já tinha negócios, mantive as pessoas com quem trabalhava, embora tenha alargado esse número. Faço o que quero e o que gosto e sinto-me realizado por isso", conta.

Paulo Pereira, que já foi vice-presidente do Vitória de Guimarães, chegou a fazer alguns investimentos com o amigo com quem ganhou o prémio. A solo, comprou um hotel, um complexo desportivo com hotel, um local de eventos e fez vários investimentos imobiliários, a maior parte no Norte do País. "É preciso muita organização, distância de algumas situações que surgem e saber dar os passos certos", explica Paulo Pereira, que continua a jogar no Euromilhões "para contribuir para o prémio dos outros".

O responsável pelos jogos sociais lembra que as obrigações da SCML passam pela "ordem pública". "Não esqueçamos que aquela pessoa tem um recibo com uma determinada aposta. O que fazer entre o momento em que há o sorteio e há a validação do prémio? Nesse período, temos de preservar a identidade das pessoas e prevenir todos os problemas que surgem", diz. E é esse o objetivo do Gabinete de Apoio ao Alto Premiado (GAAP).

Vencedor e ilegal

Um dos grandes premiados acompanhado pelo GAAP estava em situação ilegal no País. A felicidade que sentiu quando soube que ganhara o prémio depressa deu lugar ao medo e ao receio em levantá-lo. Não sabia se, por estar ilegal, podia reclamar o valor ou seria mandado para o país de origem.

A equipa do GAAP, composta por funcionários com formações diversas, nomeadamente psicólogos e juristas, tentou ajudá-lo. Mais confiante, o premiado acabou por admitir, depois, que era casado ... e que a mulher e filhos estavam na mesma situação. "Saiu-lhe a sorte grande, a taluda e a terminação, como se costuma dizer", revela Paes Afonso.

É que, vistas à lupa as condições da legalização, o GAAP encontrou um verdadeiro motivo para que aquela família conseguisse ser legalizada: "Ora aquela pessoa, sendo alto premiada, adquiriu um relevante interesse económico", explica. "Nesse processo acompanhámos tudo, a legalização, a abertura da conta bancária. Vamos até onde as pessoas nos solicitam. Mas regra geral a nossa intervenção é muito de normalidade, de assegurar grande sossego em todas as fases do processo", diz.

O GAAP é um órgão passivo. Só conhece o vencedor do prémio quando este é validado e só interfere naquilo que o premiado solicitar. "Não aconselhamos onde as pessoas devem investir o dinheiro, a não ser que nos peçam mesmo. É interessante que, na generalidade dos casos, todos sabem o que fazer."

A ideia de criar este grupo não é pioneira em Portugal. Noutros países já há estruturas destinadas a proteger os novos milionários, embora sigam formatos diferentes do português. Por cá, a Santa Casa optou por alargar este apoio a todos os seus jogos, desde que o prémio seja superior a um milhão de euros. Só no primeiro semestre deste ano, dez premiados ganharam mais de um milhão de euros, metade com o Totoloto, três o Euromilhões e dois o Joker. O ano passado fechou com 20 altos premiados, ou excêntricos. Foi mais de um por mês.

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