Sangue Novo: Cinco finalistas querem ditar o futuro da moda sustentável

Depois de Nova Iorque, Londres, Milão, Madrid e Paris, a Semana da Moda chega agora a Lisboa para a sua 59.ª edição, desta vez com foco na sustentabilidade. No segundo dia do evento, que se realiza no espaço Lisboa Social Mitra, dez jovens designers portugueses marcaram a noite que revelou o futuro promissor da moda.
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Niuka Oliveira, Inês Barreto, Çal Pfungst, Molly98 e Darya Fesenko foram os cinco finalistas selecionados pelo concurso Sangue Novo - um projeto de "defesa da transdisciplinaridade e da experimentação", que dá a possibilidade a jovens designers em início de carreira de poderem competir pelos prémios ModaLisboa IED - Istituto Europeo di Design, em março de 2023.

Após um desfile (que decorreu na noite de sexta-feira) em que os temas se centraram na identidade, emoção, burnout, síndrome do impostor, passado da comunidade queer durante o Estado Novo e num inverno nuclear, o DN teve a oportunidade de falar com os cinco vencedores que se apresentaram pela primeira vez no evento de moda nacional.

Maria Duque, mais conhecida por Molly98 , admite sentir-se "muito nervosa" por ser a sua primeira vez a participar na ModaLisboa, especialmente "por nunca ter trabalhado dentro de timelines tão apertadas".

Com uma coleção fortemente marcada pelo uso de peças alusivas à seleção portuguesa de futebol (entre elas o rosto de Cristiano Ronaldo), Molly98 diz que tudo partiu de uma inspiração na "cultura portuguesa do interior ribatejano de Portugal, das aldeias e das pessoas" com quem passou a sua infância. "Juntei tudo isso ao meu estilo pessoal alternativo e à cultura portuguesa fortemente marcada pelo futebol", explica.

Segundo a jovem designer, toda esta coleção é "muito caseira": "Eu trabalho em casa, ainda não tenho um estúdio. Fiz tudo sozinha, no meu próprio espaço e ao meu próprio jeito".

Já a sustentabilidade "foi desde sempre um objetivo" de Maria Duque. "Começou devido à parte financeira, uma vez que sou uma jovem artista e não tinha dinheiro para comprar tudo novo. No entanto, a partir daí desenvolveu-se a missão de manter zero waste. As minhas peças foram criadas a partir do desperdício das indústrias e upcycling", reforça.

Por sua vez, entre seis peças com casacos desenhados especificamente para um inverno pós-apocalíptico, Darya Fesenko transformou o "inverno nuclear" numa realidade onde a roupa voltou a ter como único propósito proteger os humanos.

"O conceito das minhas peças é um inverno nuclear. Imaginei as consequências de uma eventual guerra nuclear na qual poucas pessoas sobrevivem e como é que se poderiam vestir visto não haver alternativas. Assim, fiz tudo a partir de restos de toalhas antigas, lençóis e mantas e arranjei formas alternativas de tornar os casacos quentes ao fazer pelo através de sarja. Esta coleção mostra essencialmente roupa que tem o dever de proteger e não ser só meramente decorativa. Pensei também no que eu usaria numa situação nuclear", justifica.

Darya reconheceu que o processo de criação desta coleção foi "bastante difícil" dado a necessidade de desfiar quase todos os tecidos utilizados: "Foram muitas horas de trabalho a desfiar linha a linha. Fiz tudo praticamente sozinha, desde o design, modulação, corte e também a confeção".

Para a próxima fase do concurso, Darya Fesenko crê estar preparada para o desafio. "O jogo está a ficar cada vez mais sério. Quero agora fazer algo que as pessoas não estejam à espera", diz.

Para Inês Barreto foi uma surpresa ter sido selecionada uma dos cinco finalistas do Sangue Novo. "Ainda nem acredito que passei à próxima fase", disse, minutos depois de ser escolhida.

Recém-licenciada, Inês demonstra que a sua coleção foi influenciada pela síndrome do impostor. "As minhas peças são uma reflexão do meu percurso académico enquanto designer de moda. Tenho tendência a complicar muito a minha própria vida, daí a síndrome do impostor", testemunha.

Apesar de se basear num tema difícil de materializar, a coleção de Inês Barreto adaptou as suas falhas pessoais e tornou-as numa vitória até à final do concurso. Para a final, Inês espera "ficar mais confiante" em si mesma e no seu trabalho. "Quero calar as vozes que me dizem que não sou capaz e criar algo diferente", revela.

Quanto ao futuro da moda, a designer acredita ser necessário continuar a apostar na sustentabilidade. "É bom procurar sempre fornecedores e tecidos sustentáveis", diz. Além disso, Inês defende a self-expression como mote para a criação. "Estamos numa fase em que a moda aposta na autoexpressão e gosto muito da ideia de as pessoas se vestirem como gostam, sem sentir a necessidade de seguir tendências", conclui.

Foi com o seu Emotional Diary que Niuka Oliveira se apresentou no Sangue Novo. Uma coleção que teve como referência a obra Blue Tissues, de Rudolfo Quintas e que a jovem viu como uma forma de mostrar os seus mundos interiores.

Todo o projeto foi feito num sketch book e na noite passada chegou à passerelle da ModaLisboa. "Fiz várias ilustrações abstratas, usei diferentes tipos de materiais, usei muita cola, queimei muita folha de papel. A partir daí digitalizei o sketch book e trabalhei sobre as impressões".

Niuka quase que não acredita que apresentou a sua coleção na ModaLisboa, mas sente-se definitivamente feliz por ter alcançado um dos seus objetivos de vida.

"É a realização de um sonho porque sempre quis ter esta oportunidade de mostrar anova coleção numa plataforma como esta. O facto de ter conseguido foi uma conquista enorme!" diz Niuka Oliveira com um sorriso contagiante.

Para Niuka os próximos passos ainda não estão totalmente definidos, o mais importante é aproveitar este momento e saborear a vitória. Só depois vai começar a pensar na próxima coleção que vai ser apresentada em março de 2023.

Çal Pfungst deixou-se levar pela sua criatividade e pela sua intuição quando estava a criar esta coleção e foi assim que passou à próxima fase do concurso Sangue Novo. "Sempre que criava coleções sabia o resultado final e eu quis um bocadinho puxar o tapete a mim próprio e surpreender-me na criatividade", explica Çal Pfungst. Foi o conselho da artista Laurie Anderson de se conectar com o presente eterno que Çal utilizou como método para a sua criação.

Ser do Alentejo levou-o a criar peças inspiradas nesse lugar, como o capote que apresentou num dos modelos.

A sustentabilidade foi importante para Çal, que aproveitou coisas que tiveram uma outra vida para criar a sua coleção desde uma toalha de mesa ao vestido antigo de uma prima.

"Tenho uma licenciatura em Teatro portanto era muito importante ver a roupa a andar e a acontecer. Ajudou-me a brincar com aquele lado meio surrealista da coisa da faca e da mopa que também é uma mala".

Çal Pfungst sente-se realizado com o trabalho feito e diz que agora é continuar a fazer, pensar e criar.

Além dos cinco finalistas desta edição, participaram ainda no concurso Sangue Novo os designers Veehana, Flourish Society, Eduardo Moreira, Maria do Carmo Studio e Malteza.

ines.dias@dn.pt

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