O ano de 2001 foi muito produtivo para Sandra Tavares da Silva e Jorge Serôdio Borges: os dois enólogos casaram-se e estabeleceram-se no Pinhão, criando a Wine&Soul e o seu primeiro vinho. Deram-lhe o nome do cão, Pintas, e este revelou-se um vinho com pedigree de eleição: a colheita 2017 foi eleita pela influente revista americana Wine Spectator como um dos cem melhores tintos de 2020..Atualmente, Sandra e Jorge vivem em Vila Real, para facilitar o acesso dos três filhos ao ensino, mas o coração do negócio continua a ser o vale do Pinhão - é nesta localidade que se encontra sediada a empresa (escritórios, adega e sala de experiências). "Com a Wine&Soul, quase sem saber, entrámos no mercado no momento certo. Fizemo-lo de forma muito inocente para criar o nosso próprio vinho e ter a nossa independência", rememora Jorge, da quinta geração de uma família com longa tradição na produção de vinho do Porto..Ou, como diz Sandra, da quarta geração da Quinta da Chocapalha (Alenquer, região de Lisboa): "Queríamos ter um vinho nosso, sem que ninguém nos dissesse o que fazer." Na altura, já ambos acumulavam anos de experiência profissional a trabalhar para grandes empresas de diferentes regiões demarcadas do país. "Foi quando houve a revolução no Douro, em que separou o Porto do Maduro", comenta Sandra, sobre o momento em que embarcaram no projeto de casal..Essa revolução, explica Jorge, "começou muito pela enologia, pela introdução dos novos técnicos nas adegas. Antes, conseguíamos produzir vinho extraordinário duas vezes por década, agora é quase não o conseguir duas vezes por década". "A seguir aos enólogos, começaram a vir técnicos de viticultura e começou a valorizar-se muito mais os terrenos do que antes", prossegue..E chega-se a um ponto fulcral para Jorge e Sandra: a valorização das vinhas e das uvas. E de quem as trabalha. "Vinhos de qualidade só com vinhas próprias e terroirs especiais", sublinha Jorge.."Sempre tivemos um grande fascínio por vinhas velhas. Andámos à procura e o Jorge tinha a vantagem de ser do Douro e ter muitas vivências na região com o pai e o avô. Decidimos que iríamos para o vale do Pinhão, e fomos para o vale de Mendiz", explica Sandra. "Vale do Pinhão que é de onde saem os grandes clássicos, os vintage do vinho do Porto", lembra.."Uma região como o Douro, com a história, a riqueza, a qualidade, merecia muito mais. Nós queremos trazer valor para a região e distribuir pela cadeia toda. Temos produtores de uvas a receber muito pouco e isso vai ditar a morte lenta da região. Desvaloriza-se muito a produção da vinha, por isso, também, é que hoje grande parte do vinho que produzimos é com uva de vinhas próprias", aprofunda Jorge..E Sandra volta à missão a que se propuseram há 20 anos: "Queríamos apostar aí [vale do Pinhão] porque havia grande potencial de vinhas velhas, com mais de 40% de inclinação e alta densidade. A primeira vinha que comprámos tinha 70 anos, tem agora 90 ."."Ainda estamos a iniciar uma longa caminhada na Wine&Soul", insiste Jorge. "Tem sido importante a forma como vemos o Douro. Respeitamos o saber acumulado das gerações anteriores, não queremos reinventar tudo. Se é uma região que se mantém na crista da onda ao longo de 300 anos é porque alguma coisa é boa", nota..E mantém o compromisso da Wine&Soul: "Queremos continuar a fazer aquilo que temos feito. O respeito e a valorização dos vinhos do Douro ainda não é o que a região merece. Gostava de chegar a Nova Iorque e entrar num restaurante e ter quatro ou cinco referências na carta. Por comparação, os nossos vinhos de topo não têm o mesmo impacto do que os de Espanha e Itália.".Um caminho que ainda é longo. "Somos uma empresa de referência numa região em que existem muitas mais em termos de história, de valor e de prestígio. Bordéus não passou a ser instantaneamente uma região reconhecida mundialmente. Existiu trabalho de gerações e é isso que queremos para o Douro", ilustra Jorge..No top 100 anual da Wine Spectator para 2020, o Pintas 2017 ficou em 87.º lugar, sendo o único representante português na lista da revista especializada em vinhos e sediada em Nova Iorque (completa 45 anos a 1 de abril).."É o nosso vinho mais icónico e de bandeira, e também o mais aclamado", assente Sandra Tavares da Silva. Mas Jorge Serôdio lembra o grande ano de 2014. No top 100 desse ano da mesma revista norte-americana, três vinhos portugueses ficaram nos quatro primeiros lugares..Em primeiro, o Dow"s Porto Vintage 2011 (99 pontos); em terceiro e quarto, os tintos Chryseia 2011 e Vale Meão 2011, ambos do Douro (e ambos com 97 pontos). "O Pintas 2011 recebeu 98 pontos [máximo de 100], embora tenha ficado fora do top 100 porque entre os critérios está o número de garrafas produzidas", explica Jorge. "Ainda hoje é considerado o vinho tinto com maior pontuação", sublinha o enólogo..A produção anual de Pintas ronda as 6 mil garrafas. Da colheita de 2017 premiada no top 100 de 2020 da Wine Spectator, foram produzidas 5500, que podem ser encontradas em garrafeiras a um preço a rondar os 80 euros a garrafa..Nas vinhas que foram comprando (e continuam a comprar) no Douro, no vale do Pinhão, mas noutras zonas mais altas onde as características favorecem mais a produção de vinhos brancos, a Wine&Soul produz cerca de 95 mil garrafas por ano (15 mil são de vinho do Porto)..No portfólio da empresa, tem ganho notoriedade um outro tinto: o Manoella Vinhas Velhas. Na lista da Wine Spectator de 2019, obteve 97 pontos. Criado em 2011, só tem metade da idade do vinho-estrela Pintas.