Sánchez demite-se e PSOE fica refém do que Rajoy fizer

Partido fica nas mãos de uma comissão gestora liderada por Javier Fernández, presidente das Astúrias. O comité federal de ontem foi um momento negro para os socialistas
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O dia já ia demasiado longo. Eram 18.30 em Madrid (17.30 em Lisboa) quando José Antonio Pérez Tapias decidiu ir-se embora. "O partido está em cacos. Lá dentro a situação está tão distorcida que ninguém sabe o que fazer", lamentou perante os jornalistas, ao abandonar a sede do PSOE na Rua Ferraz, aquele que foi um dos dois opositores de Pedro Sánchez nas eleições diretas para a secretaria-geral dos socialistas disputadas em 2014.

Tapias aguentou mais de dez horas antes de abandonar a reunião do comité federal. Não muito depois um jornalista escrevia no minuto--a-minuto do El País o resumo do dia até esse momento: "Houve gritos, choros, tentativas de votação, recolha de assinaturas. A única coisa em que muitos dos presentes estão de acordo é no dano irreparável que tudo isto significa para o partido."

Esperava-se que a reunião de ontem do comité federal fosse quente, polémica, aguerrida. Esperava-se que houvesse insultos, jogadas de bastidores, acusações mútuas. De certa forma esperava-se tudo. Mas o encontro dos socialistas superou as previsões mais pessimistas.

Depois de horas de completo desnorte, com propostas e contrapropostas rejeitadas, chegou a ser colocada uma urna para que fosse votada a moção de Pedro Sánchez, que pretendia a realização de diretas e um congresso extraordinário. Segundo os jornais espanhóis, os críticos, que queriam votar de mão levantada, quando se aperceberam de que a votação já estava em andamento, retiraram a urna à força.

Só ao fim de 11 horas de uma reunião "histérica e dividida", adjetivos escolhidos pelo La Vanguardia, é que por fim os dois bandos, sanchistas e críticos, acordaram em votar a moção erguendo os braços. Sánchez perdeu por 132 votos contra 107. Nesse momento, a única opção que restava ao secretário-geral do PSOE era demitir-se. Foi isso que anunciou ao comité federal minutos depois. Quando tomou a palavra disse-se "orgulhoso" por ter tido a oportunidade de liderar o partido e garantiu que a futura direção terá todo o seu apoio. Eram 20.30 em Lisboa quando Sánchez abandonou a sede do PSOE na Rua Ferraz.

Depois das crises de 1979 e de 2000, esta é a terceira vez que o PSOE fica nas mãos de uma comissão gestora. O líder é Javier Fernández, presidente das Astúrias. É alguém que não tem anticorpos em nenhum dos bandos e que, durante todo este processo, não alinhou com nenhuma fação.

Sánchez poderá regressar?

E agora? O futuro depende em larga medida do que Mariano Rajoy decidir fazer. Pretenderá o líder do Partido Popular, para acelerar a formação de governo, submeter-se a uma nova votação de investidura, partindo do princípio de que a comissão gestora se absterá? Ou jogará de forma mais tática e cínica, preferindo ir a terceiras eleições, convencido de que o PSOE irá implodir nas urnas? "Se estivesse no lugar dele ia para eleições. É isso que julgo que Rajoy irá fazer", vaticina ao DN Nacho Corredor, analista político da consultora Llorente y Cuenca.

A ideia dos críticos de Sánchez era forçar a demissão do secretário-geral, nomear uma comissão gestora que permitisse a formação de governo e só depois virar os olhos para dentro e discutir a liderança. "Pensaram que tudo seria mais simples e não anteciparam o que veio a acontecer. Agora será muito difícil uma comissão gerir uma abstenção. Os custos internos seriam enormes", acredita Corredor.

Caso Espanha siga para eleições, o mais provável é que o partido continue a remeter a escolha de um novo líder para depois da formação do governo e apresente alguém que aceite sacrificar-se nas urnas.

Muitos socialistas temem que esta crise tenha sido uma machadada fatal ou quase fatal para o partido. Por um lado, as divisões internas não vão cicatrizar com rapidez. Por outro, muitos eleitores podem ter perdido irremediavelmente a confiança no PSOE. À espreita, no flanco esquerdo, para tentar capitalizar o esfrangalhamento socialista, já está o Podemos. Nacho Corredor não descarta a hipótese de nos próximos dias e semanas o PSOE assistir a uma debandada de militantes.

Quando a poeira assentar e houver finalmente governo em Espanha, os socialistas iniciarão o processo de escolha do novo secretário-geral. Susana Díaz, presidente da Andaluzia, afigura-se neste momento como o nome capaz de reunir mais apoios. Não é impossível, porém, que Pedro Sánchez, que sempre teve as bases do seu lado, se apresente como candidato nas diretas. "A decisão é sua, mas eu sempre o apoiarei", dizia, à saída de Ferraz, César Luena, que até ontem era o número dois do partido.

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