Acordo de governo em Itália com Salvini de fora
Nove dias depois de ter ido apresentar a sua renúncia, Giuseppe Conte regressa na quinta-feira de manhã ao Quirinal (palácio presidencial). Desta vez, noutro ambiente político, vai ser encarregado pelo presidente de Itália, Sergio Mattarella, de formar um novo governo. Após terem sido recebidos pelo chefe de Estado, os líderes do Movimento 5 Estrelas e do Partido Democrático anunciaram chegar a um acordo de coligação. Mas ainda há procedimentos e obstáculos para ultrapassar.
A partir de amanhã, Giuseppe Conte, enquanto primeiro-ministro designado, terá de proceder a consultas à porta fechada para a formação do executivo. Por norma, o chefe de governo recebe líderes de todos os partidos e por vezes também recebe parceiros sociais. O formato e duração das consultas, e até o local dos encontros, são variáveis.
A ideia de uma aliança PD-M5E, os dois partidos mais votados nas eleições de março de 2018, foi lançada pelo ex-primeiro-ministro Matteo Renzi e tem como mínimo denominador comum a aprovação de uma reforma que vai reduzir o número de deputados e um Orçamento para 2020 capaz de evitar um aumento do IVA de 22% para 25%.
Desde então, o programa foi enriquecido com propostas de ambas as partes que convergem para o relançamento do crescimento económico, com especial atenção aos mais necessitados e ao meio ambiente. "Primeiro o programa, depois os nomes", afirmou o líder do 5 Estrelas, Luigi Di Maio. "Permitam-me que diga que os cidadãos testemunharam um debate pouco edificante sobre funções e cargos. Como líder político - acrescentou -, peço que a formação do novo governo comece a partir da elaboração de um programa homogéneo. Só depois será possível decidir quem será chamado a executar as políticas acordadas", concluiu.
No que respeita à dança de cadeiras, o PD, que cedeu na indicação de Conte, quererá designar um vice-primeiro-ministro. E, como Conte é escolhido pelo 5 Estrelas, não quer um segundo vice-primeiro-ministro, uma jogada com o objetivo de retirar poder e visibilidade ao líder do 5 Estrelas e atual vice-PM, Luigi Di Maio, que tem caído em popularidade.
Porém, há ainda pela frente um voto interno dos membros do 5 Estrelas. É através da plataforma online Rousseau que os militantes são chamados a dar o aval ou a rejeitar o acordo com o partido de centro-esquerda e o programa comum. O facto de um acordo de governo estar dependente dos militantes de um dos partidos - e de uma plataforma alvo de muitas críticas pela sua vulnerabilidade aos hackers e por ter um histórico de perguntas nada claras - levou a que alguns deputados do partido fundado por Beppe Grillo criticassem esta decisão.
Também nas fileiras do Partido Democrático, que antes rotulou a plataforma online de "antidemocrática e subversiva", esta cedência causou a saída do partido de Carlo Calenda, ex-ministro nos governos de Matteo Renzi e de Paolo Gentiloni.
O Movimento 5 Estrelas e o Partido Democrático têm um histórico de conflitualidade. Mas a ameaça da deriva de um governo de extrema-direita liderado por Matteo Salvini, da Liga, o partido que lidera as sondagens, juntou-os. Na quarta-feira, último dia dado pelo presidente Sergio Mattarella para se encontrar uma solução parlamentar na sequência da demissão do primeiro-ministro Giuseppe Conte, houve luz verde entre os partidos.
O presidente italiano voltou a receber em audiência os líderes partidários. Mas desta vez com uma aliança a forjar-se das ruínas do governo do Movimento 5 Estrelas (M5E) e da Liga. Nicola Zingaretti, líder do PD, saiu otimista ao deixar o Quirinal sobre a possibilidade de formar um "governo de mudança".
"Confirmamos com determinação a necessidade de estabelecer um governo de mudança e rutura", acrescentou. "O novo governo trará o início de uma nova era civil, social e política." Segundo Zingaretti, as delegações do PD e do M5E conseguiram desenvolver "uma primeira contribuição política a apresentar ao presidente", ou seja, um projeto de programa conjunto.
À saída da audiência com o presidente, também o líder do M5E, Luigi Di Maio, confirmou o acordo político com o PD, que passa pela continuidade de Giuseppe Conte nas funções de primeiro-ministro.
"Sempre fomos um movimento pós-ideológico, sempre pensámos que não há programas de direita ou de esquerda, mas apenas soluções. Fomos acusados de sermos de um lado ou do outro. Tais esquemas estão completamente desatualizados", acrescentou Di Maio, no final da reunião com o presidente da República.
Desde terça-feira, o presidente vem conduzindo intensas consultas com toda a classe política, enquanto o PD e o M5E têm negociado as prioridades políticas e a distribuição de pastas ministeriais. O grande obstáculo entre ambos era Giuseppe Conte. O 5 Estrelas bateu-se pelo jurista e professor universitário, que tem ganho bastante popularidade em Itália e que recebeu apoios na cimeira do G7, em Biarritz, quer de líderes europeus quer do presidente norte-americano Donald Trump, que o chamou de "homem muito talentoso".
Uma sondagem publicada no Corriere della Sera demonstra que o presidente de Itália é o dirigente mais popular, com 57% de aprovação, seguido de Giuseppe Conte, com 52%. Matteo Salvini, que chegou a bater-se pela liderança nas sondagens, está agora com 36%, tendo caído 15 pontos em relação à anterior consulta.
Hoje, o PD, pela voz de Zingaretti, admitiu aceitar que "o M5E escolha o futuro primeiro-ministro", uma fórmula para informar que cedeu ao partido antissistema, sem pronunciar o nome de Giuseppe Conte.
O PD foi muito crítico de Conte por este ter deixado Matteo Salvini em roda livre na sua política contra os migrantes.
A Itália mergulhou em crise há três semanas, depois de Matteo Salvini, vice-primeiro-ministro com a pasta do Interior, ter anunciado que não queria manter a coligação. No dia 20, quando a moção de censura ao governo foi debatida, Giuseppe Conte apresentou a demissão e arrasou a política "irresponsável e oportunista" de Salvini, que não escondia o interesse em aproveitar as sondagens favoráveis e ir para eleições.
Decerto arrependido pela forma como o jogo tem corrido para o seu lado, Matteo Salvini tentou das mais variadas formas restabelecer o acordo que ele próprio havia rompido. Chegou até a propor Luigi Di Maio para o cargo de chefe do governo, como este confirmou em declarações. "Agradeço-lhes sinceramente, mas com a mesma sinceridade digo que penso no bem deste país e não em mim", disse, antes de elogiar as "garantias políticas" dadas por Giuseppe Conte.
Antes da audiência com o presidente, Salvini apelou para que este convocasse eleições. Mas o cenário mudou com o acordo entre o PD e o M5E, o que levou o líder nacionalista a recorrer a uma transmissão em direto no Facebook. "Não seria mais sábio, mais honesto e determinante que os italianos votassem e, durante cinco anos, tivessem uma maioria sólida, estável e coerente? Essa é a nossa pergunta," disse. "Temos a impressão, se não a certeza, de que existe um plano que parte de fora, não da Itália, para vender o país, as suas empresas e o seu futuro para o estrangeiro. Seria uma falta de respeito pelo povo italiano."
Sobre o futuro executivo, disse: "Está prestes a nascer um governo fraco, desejado por Bruxelas e Berlim. Mattarella pediu um governo com uma longa duração: diga-me alguém com seriedade se um governo do M5E e do PD pode ter uma longa duração. Seria uma longa agonia..."
O ainda ministro do Interior chamou o PD de "partido inacreditável, tudo é esperado em nome do poder, falam de rutura com o mesmo primeiro-ministro e os mesmos ministros", e um "partido que perde sistematicamente".
Nas consultas promovidas por Mattarella, os líderes dos restantes partidos de direita, Silvio Berlusconi (Força Itália) e Giorgia Meloni (Irmãos de Itália), também defenderam novas eleições.