Salvador de Mello: "Não pode existir discriminação ideológica em relação a quem gere ou trata"
Qual é a importância da produção no privado e até na formação de recursos humanos - quando se sabe que já há unidades privadas a serem primeiras escolhas para especialidade - para compensar carências do setor público?
O nosso sistema de saúde compreende uma multiplicidade de realidades e atores e é na articulação entre todos, designadamente entre o SNS, o setor privado e o setor social que surgem claros benefícios para os cidadãos. O setor privado tem hoje em dia um papel muito relevante no desenvolvimento económico e social do nosso país, quer pela sua dimensão, que representa um terço dos cuidados prestados aos portugueses, quer pela sua alta qualificação. É por isso uma componente de grande importância no sistema de saúde em Portugal.
Na formação médica, o contributo das instituições privadas é cada vez mais importante e necessário, e a José de Mello Saúde foi pioneira nessa aposta em 2012, quando pela primeira vez a Ordem dos Médicos atribuiu idoneidade formativa a hospitais privados, tendo o Hospital CUF Descobertas e o Hospital CUF Infante Santo obtido esse reconhecimento em várias especialidades. Desde essa altura, crescemos nas especialidades com idoneidade formativa e crescemos no número de internos formados. Em 2019 vamos inclusivamente passar de 11 para 14 internos nos Hospitais CUF, pois obtivemos muito recentemente idoneidade formativa em mais três especialidades, passando a ter idoneidade formativa em oito especialidades. Este crescimento é sem dúvida um reconhecimento indiscutível da qualidade clínica e da capacidade formativa da José de Mello Saúde. Há que salientar que temos um papel igualmente relevante no contexto dos hospitais PPP onde temos desenvolvido um esforço significativo, quer financeiro, quer por parte das equipas clínicas envolvidas na formação de médicos especialistas, tendo a José de Mello Saúde sido responsável, em 2017, pela formação de 473 médicos internos, 89% em formação específica, no Hospital de Braga e no Hospital Vila Franca de Xira.
Sabemos que apostar no ensino, na formação, na investigação clínica e na cooperação com as instituições universitárias é investir no futuro da prestação de cuidados de saúde e é por isso que continuamos a investir não só no internato médico, mas também na formação médica, como por exemplo na atribuição de Bolsas de Doutoramento anuais em Medicina e Enfermagem aos nossos profissionais (vão ser entregues no dia 3 de julho) - desde 2014 atribuímos 23 bolsas no valor de 415 mil euros - ou na ligação com as instituições de ensino, como é o caso do Consórcio Tagus TANK, que estabelecemos com a Universidade Nova de Lisboa para o desenvolvimento de projetos ligados ao ensino e à investigação.
O número de cheques-cirurgia emitidos no ano passado aumentou bastante, ao mesmo tempo que o número de cirurgias no setor público também subiu. Temos de olhar para estes números pelo prisma positivo, por haver mais pessoas com acesso à saúde, mesmo que através da resposta privada, ou pelo negativo, pela incapacidade do SNS em responder a tempo e horas a quem dele precisa?
Vejo o aumento das cirurgias, em geral, pelo prisma positivo, porque demonstra uma maior capacidade de resposta do sistema de saúde, na sua globalidade, ou seja dos hospitais públicos e privados às necessidades de quem nos procura. A maior preocupação de todos deve ser cuidar do doente. Não pode existir discriminação ideológica em relação a quem gere ou a quem trata, mas sim uma preocupação acrescida com a qualidade e a sustentabilidade do sistema. Público, privados e setor social devem trabalhar de mãos dadas. Parece-me evidente que uma rede de cuidados de saúde privada com qualidade e acessibilidade é de extrema importância na complementaridade ao Serviço Nacional de Saúde. O SNS será tanto mais eficiente e sustentável - com consequentes benefícios para os seus utentes e com poupanças para o Orçamento do Estado, ou seja, para todos os portugueses - quanto maior for a articulação entre público e privado. Quem realmente defende o SNS, a sua sustentabilidade no presente e no futuro, é quem também defende uma cooperação estreita e responsável entre público, privados e setor social.
E qual o papel do setor privado no tratamento de doenças mais complicadas e que implicam tratamentos mais caros, por exemplo na área oncológica?
A doença oncológica é infelizmente uma doença cada vez mais frequente. Perante esta realidade a cooperação a nível nacional e internacional na prevenção e combate ao cancro é uma causa que é de todos. E na luta contra o cancro, todos acabamos por ser poucos, públicos ou privados. No tratamento do cancro, o setor privado deve acrescentar e completar o portfólio com serviços convenientes dando acesso a métodos e tratamentos inovadores que possam oferecer ao doente valor acrescentado. A democratização da Saúde que resultou do alargamento da cobertura dos seguros em Portugal é já uma realidade e começam a existir seguros na área oncológica, uma tendência que irá crescer. Defendemos sobretudo que, também nesta área, os privados devem ser complementares do público. A José de Mello Saúde criou em 2016 a primeira rede privada em Portugal de diagnóstico e tratamento do cancro, o Instituto CUF de Oncologia, que recebeu em 2017 a certificação europeia EUSOMA, como Centro Especializado no Tratamento do Cancro da Mama. Já em 2016, o Ministério da Saúde tinha reconhecido os Hospitais CUF em Lisboa, como Centros de Referência Nacional para o tratamento do Cancro do Reto. O Instituto CUF de Oncologia mantém, ainda, um forte compromisso de colaboração com o Registo Oncológico Nacional, procurando contribuir assim para o estudo epidemiológico do cancro em Portugal, no que deve ser um combate de todos. Também nesta área, não há dúvidas das potencialidades de colaboração entre público e privado, seja do ponto de vista da qualidade do tratamento, seja do ponto de vista das atividades de investigação.
Qual deve ser a relação com o Estado, agora que se discute a nova de lei de bases?
O setor privado tem um papel fundamental no sistema de saúde que deve ser reconhecido. Um SNS forte exige também um setor privado forte. E para termos um sistema de saúde de maior qualidade, temos de ser exigentes, aproveitando as suas melhores capacidades, sejam elas públicas ou privadas.