Salta uma covid rápida para Bolsonaro!
Minha funcionária, que trabalha comigo há 24 anos, está em casa, em seu distante subúrbio, com o marido, os filhos e os netos. Vários amigos meus fecharam seus escritórios, ateliês ou pequenos negócios e também estão em casa. Atores e músicos que conheço estão igualmente confinados e, sem trabalho, pagando caro por isso.
Muitas dessas pessoas vivem em apartamentos modestos, que lhes vinham a calhar quando podiam ir e voltar da rua à vontade. Confinadas, as quatro paredes fecham-se à volta delas e lhes pesam como masmorras. Elas gostariam de ir lá fora por um breve instante, para respirar a brisa do mar, tomar um chope e abraçar o Rio. Mas, conscientes, sabem que, enquanto as mortes pelo vírus não chegarem ao pico no Brasil e só então começarem a declinar, não é hora de abrir a guarda.
Em contrapartida, foto publicada há alguns dias no Globo mostrava a estátua de Tom Jobim, junto à praia do Arpoador, cercada de gente a correr ou a caminhar, muitos deles turistas, como nos velhos tempos. A diferença é que a estátua era sábia: estava de máscara - alguém a aplicou ao monumento - e as pessoas ao seu redor não eram. Com a cara limpa, espalhavam-se pela rua, aos grupos, à luz do sol e do céu, como se a vida não tivesse mudado radicalmente e o mundo ainda fosse o mesmo de dois meses atrás.
Posso confirmar isto ao chegar à minha janela e ver, lá em baixo, a qualquer hora do dia, no passeio à beira-mar e na ciclovia do Leblon, pessoas que não abriram mão de seu lazer - a bicicleta, a caminhada, o próprio banho de mar. Sei que isso está acontecendo, com maior ou menor intensidade, em muitas capitais do mundo, mas não importa - são um lamentável testemunho da inconsciência e do egoísmo humano.
O que essas pessoas estão fazendo hoje só terá alguma consequência, para o bem ou para o mal, daqui a quinze dias, mas, por uma cadeia perversa, poderá se refletir sobre os que estão em casa respeitando a quarentena. Sem falar em que esses egoístas e inconscientes talvez venham a disputar os leitos nos hospitais com os que nada fizeram para merecer estar neles. Tenho sabido de pessoas que vinham cumprindo rigorosamente suas quarentenas e mesmo assim foram infetadas e morreram - porque alguém de fora lhes levou o vírus. E se esse alguém tiver sido um filho ou até um netinho levado inocentemente a brincar na pracinha?
Uma coisa são os prestadores de certos serviços, que não têm como parar de trabalhar. Outra são os que, contrariando a realidade que lhes entra pelos olhos, decretaram-se à prova de risco. Não conheço a orientação política dessas pessoas, se é que a têm, mas quem continua a ir à rua, contra todas as recomendações dos agentes da saúde, está repetindo o gesto do genocida, digo, presidente Jair Bolsonaro, que sai a pé pelo país apertando mãos, posando para selfies e trocando perdigotos com os idiotas que o adulam, e que já declarou que "ninguém cerceará o seu direito de ir e vir". Bem, por mim, Bolsonaro pode ir até para o diabo que o carregue, nem é da minha conta a saúde de quem com ele partilha abraços, telemóveis e perdigotos. Mas é da conta de todos nós, que estamos em casa, a saúde dos que continuam nas ruas como se tivessem passaportes de imunidade.
O Brasil não pode pagar como nação pelo que Bolsonaro está fazendo e o mundo, estarrecido, acompanha. Se ainda há tanta gente a flanar pelas nossas cidades, é porque Bolsonaro, desde o começo, sabota diariamente a política de isolamento pregada pela Organização Mundial da Saúde e pelos secretários da Saúde nomeados - e desnomeados - por ele próprio. A cada vez que Bolsonaro vai às câmaras e, como um Trump dos pobres, apregoa a reabertura do comércio e a "salvação" da economia, um contingente inteiro de quarentenados se desmobiliza. Um dia, ele terá de ser julgado por um tribunal internacional - por crimes contra a humanidade. E será.
O povo se choca com o seu desprezo - ao ser informado de que o Brasil ultrapassara sete mil mortos, disse: "E daí? Não sou coveiro!" - e se ressente de ele nunca ter dito uma palavra de conforto para as famílias das vítimas da covid-19, visitado um hospital (nem que fosse de campanha e ainda sem pacientes) ou mesmo enviado caixões suficientes para Manaus, como lhe foi pedido. E mais e mais de seus próprios eleitores estão percebendo que a Bolsonaro só interessam as manobras políticas para livrar seus abomináveis filhos das acusações de corrupção que lhes são feitas e a ele próprio, Bolsonaro, de sofrer um processo de impeachment.
E este é o problema. Bolsonaro bajula os militares com cargos no governo, começa a cercar-se de um aparato jurídico que o proteja e está comprando, com verbas bilionárias, uma fatia considerável do Congresso. Não se sabe se isto será bastante para livrá-lo das miríades de acusações que lhe podem ser feitas.
Na dúvida, muitos brasileiros passaram a ansiar pela solução mais rápida para nos livrarmos de Bolsonaro: a morte. E pela covid-19. De preferência, infetado por um de seus hidrófobos apoiadores, que o seguem por onde vai e riem-se de tudo que ele fala. Se Bolsonaro se contaminasse, 70% ou 80% dos brasileiros gostariam de vê-lo explicar como "a gripezinha, o resfriadinho", como ele definiu o coronavírus, o apanharam de jeito, impedindo-o de respirar e tirando-lhe as forças para continuar a fazer o mal.
Se Bolsonaro morrer da covid, que não lhe falte um sepultamento com todas as pompas - para termos certeza de que, embora tarde, ele se foi mesmo. E, de preferência, num caixão de chumbo, para que seus miasmas não empesteiem o resto do cemitério.
Jornalista e escritor brasileiro, autor de, entre outros, O Anjo Pornográfico - A Vida de Nelson Rodrigues (Tinta-da-China).